28 de novembro de 2017

adolescência (bdd's)



dizer quem somos nunca é fácil.
vamos mudando conforme nossos encontros no tempo.
já escrevi sobre momentos da minha adolescência
e mesmo que essa fase tenha passado há algum tempo
cruzo com ela todo dia, isso me encanta.

o primeiro beijo e uma nova experiência
ou descoberta da sexualidade se dá na puberdade
algo tão prazeroso na contramão da escolha profissional.
deixar de ser cópia dos pais e ter uma identidade.
saber que o Real é mais real do se pensa.
estudar, estudar e querer sair da escola
uma prova insana que pode definir sua vida
presãããããããããão
dizer não
se apaixonar todo instante
reunir as amigas para lembrar das bobagens da infância
(fazer isso a vida toda porque toda fase tem bobagens)
rir.
falar uma língua que ninguém entende
sangrar feito um bode.
ir ao show do seu músico favorito
ter um grupo no qual todos querem entrar.
crises de ansiedade surgem para solidão.
servir
querer entender o sentido da vida
não entender o sentido da vida,
mas entender porque você está no mundo.
perceber que isso acontece quando nos relacionamos.

acho que amo ver vocês viverem. e fim.

7 de novembro de 2017

reconhecimento

conversando com a menina perguntei:
você é negra?
ela disse: acho que não.
pensei: como saber se alguém é negro ou branco
que isso importa?

acho que não sou negra porque tenho pele clara
mas seu cabelo é bem cacheadinho
é, meu pai é negro, mas nunca sofri preconceito
se é afrodescendente é negro?
aquela moça é branca, tem traços finos, mas disse que é negra

talvez eu seja negra, mas não estou pronta pra enfrentar
o que isso implica. não entendi porque aquela moça
disse que é negra. acho que não tem só a ver com o que se vê
é complicado, e se disserem que eu me apropriei da cultura?
conhecer, aceitar, superar, você não vai seguir sozinha.

feriado



no feriado de finados minha irmã e eu brigamos.
quando eu tinha 12 anos, minha irmã tinha seis.
em 2002, no brasil, houve um crime que chocou o país.
uma menina mandou matar os pais violentamente
e até hoje lembram do Caso Richthofen.

depois de brigar com minha irmã,
perguntei à minha mãe se éramos parecidas
e a resposta foi "sim, quando vocês têm uma opinião
são inflexíveis". quando pequenas diziam que éramos
parecidas, mas eu nunca achei e ao mesmo tempo achei

tem uma pergunta que reverbera na história e diz
"onde está o teu irmão?" e a resposta foi
"acaso sou eu responsável pelo meu irmão?"
as ironias dessas frases mostram que sim,
eu sou responsável, eu sei onde está

Richthofen não pensou que seu irmão
enlouqueceria com a morte dos pais
também não pensou que a morte de uma pessoa
é a morte de uma descendência, do que poderia vir
e a terra cobra o sangue de seus mortos.

durante muito tempo eu fiquei pensando
como um irmão pode matar outro irmão, mas nunca
pensei em matar minha irmã. - é importante dizer
eu fiquei bem triste com nossa briga, mas todo
feriado é assim, só que dessa vez não vou me desculpar

- vou assistir dragon ball!

Levantes




"Levantar" é um verbo transitivo, cujo a raiz vem do latim tardio levantare* e do latim levans*, é o particípio presente de levo, -are, erguer, elevar. Ao procurar sinônimos do verbo "levantar", uma das opções é "arvorar". Pois bem, pesquisando sobre essa palavra após visitar a exposição "Levantes", com curadoria de Georges Didi-Huberman, imagens distintas que se aproximam pelo movimento de elevar, subir, etc.

Quando o sol nasce, e nascer implica em vida, ele se levanta. Quando as plantas e vegetais crescem, eles se levantam, por isso um dos sinônimos é "arvorar". O movimento das águas do mar é erguer-se de forma sublime e cair continuamente, mesmo o cair não faz com que o mar perca sua impetuosidade, porque para se levantar é preciso cair. 

Uma das ações que caracteriza a rendição de presos é erguer as mãos para mostrar que não porta objetos ilegais, em seguida suas mãos são postas para trás e algemadas. O mesmo movimento de erguer as mãos é feito em momentos de contexto religioso, quando a comunidade está adorando ou fazendo preces, interessante é pensar como situações aparentemente tão distintas têm uma relação: levantar.

311 vezes o imperativo do verbo levantar aparece no novo testamento das escrituras sagradas: Levanta-te! Semanticamente é adequado o uso do verbo levantar quando Jesus ressuscita a filha de Jairo e diz "Menina, levanta-te" (Mc 5.41), pois a menina estava morta e os primeiros sinais que mostrariam seu retorno à vida, eram respiração e movimento. Quando Jesus cura o paralítico de Betesda, também é adequado dizer "Levanta, toma teu leito, e anda" (Mc 2.11), afinal a cura só seria visível se o paralítico se levantasse e andasse. Entretanto, quando Jesus cura o cego Ele também diz "Levanta-te" (Mc 10.49) e ao curar o leproso diz "Levanta-te e vai, a tua fé te salvou" (Lc 17.19). Mesmo quando o verbo levantar se torna substantivo "LEVANTES" ele ainda implica numa ação. 

Na exposição de Didi-Huberman duas performances chamavam a atenção, contudo não foi possível identificar o nome dos artistas. A primeira era uma fita de cetim vermelha, enrolada em um carretel que estava sobre um pequeno orifício no chão, de onde saía muita, muita ventilação. Em menos de dois minutos o vento desenrolou toda a fita, com movimentos de ginástica rítmica, mas sem nenhum humano - a primeira pergunta foi: quem é o artista? A fita ou o vento? A sensação visível era como ver os ossos secos de Ezequiel 37 se levantar com o sopro divino. A segunda era um copo de leite sobre a mesa, a mão do artista batia com força sobre a mesa e aos poucos o leite caía do copo, ao londo de inúmeras batidas, o copo de leite é derrubado; para cair é preciso estar erguido. Como o copo de leite são muitas as batidas que o humano leva para que caia.

O substantivo "levantes" é a reação de um povo ao lutar contra opressão. Ficou evidente que esse movimento necessariamente tem a ver com vida. Quando forças exteriores querem pôr fim a uma ideia, o povo se levanta. Há quem corte árvores e ainda sim elas se levantam. As águas do mar são poluídas, mas as ondas se levantam. Mesmo quando há queda, ela mostra a necessidade do levante. Ao reger uma orquestra o maestro levanta as mãos e a partir daí dá vida à música e harmonia à sua existência. Nesse sentido, quando a voz é alteada para mostrar autoridade, dá para entender porque Ele frequentemente dizia "Levanta-te" essa palavra ganha outro significado quando unida às imagens, o que Ele dizia era "Sua vida não vai ser a mesma, mesmo que caía, eu não estou só curando você, eu estou te dando nova vida: Levanta-te".

"Levantes" é uma exposição transdisciplinar sobre as emoções coletivas. São cinco os motivos para o espectador se levante: por elementos (desencadeados), por gestos (intensos), por palavras (exclamadas), por conflitos (abrasados) e por desejos (indestrutíveis). A imaginação ergue montanhas - alguém já disse isso sobre a fé - levantar-se é jogar longe o fardo que pesava sobre os ombros e entravava o movimento, é um sinal de esperança e de resistência, é um gesto e uma emoção, por isso não dá para fazer a revolução sem ir à direção do outro. Não dá para apenas levantar os dedos e digitar, é levantar todo o corpo, na sua inteireza e promover a vida.

O céu está pesado, acima de suas cabeças
mas sei bem que há apenas um céu
cobrindo toda a Terra:
ou seja, estamos em contato imediato
com o destino daquelas pessoas
Elas se caracterizam por uma total falta de ilusão
quanto à sua época e, amo mesmo tempo,
por uma incondicional adesão à ela.
Uma coisa é não se criarem ilusões
na obscuridade ou diante dos fantoches
do espetáculo imposto, outra, porém,
é dobrar-se na inércia mortífera submissão
A indestrutibilidade do desejo é algo
que nos faria, em plena escuridão,
buscar uma luz apesar de tudo
para quem está na floresta a luz de um vaga-lume
é bem vinda, assim como o som para o cego.
Os tempos sombrios só são tão sombrios
porque comprimem nossas pálpebras e ofuscam
o nosso olhar, como fronteiras que se impõem
em nosso corpo e pensamento.
Há formas para o levante, é um gesto sem fim
que precisa de força, sempre haverá
uma criança para pular o muro.

29 de agosto de 2017

ciúmes

não sei se o ciúmes está atrelado à desconfiança,
mas sei que, como ervas daninhas,
ambos são destrutivos para a plantinha que estamos cultivando.
há plantas que não podem ser plantadas no mesmo solo.

Benjamin

(da série: conversas com o Isaac)



- Má, quem é Benjamin?

- Não sei, eu não conheço nenhum Benjamin.
- Conhece sim, eu ouvi você falando com a minha mãe.
- Eu? Tem certeza? Eu não conheço nenhum Benjamin.
- Você conhece sim, você disse que ele é muito inteligente, disse que ele inventou o "tempo de agora" e eu gostei.
- Como assim você gostou? Você entendeu alguma coisa?
- Na escola dominical ensinaram que "há um tempo para todas as coisas" e isso tá na bíblia. Tempo de plantar, tempo de colher, tempo de estudar e tempo de ficar de férias, mas não falaram desse tempo de agora. E você falou de Kairós e eu fiquei pensando "do que é que ela tá falando?" então eu tô perguntando porque sou curioso.
- Lembra quando te levei à exposição do corpo selvagem?
- Lembro, foi engraçado ver a mulher e o homem nu igual índio, dava pra saber que eles não eram índios.
- Por que você achou isso engraçado?
- Não sei.
- Aquilo não era engraçado, mas você achou engraçado porque não era o tempo de te levar. Tipo, você era muito novo, foi diferente de quando eu te levei à exposição do castelo ra-tim-bum. Eu não sei como te explicar que tem tempos diferentes, mas você já sabe que tem, não é mesmo?
- Todo mundo sabe disso, é passado, presente e futuro.
- Desculpa aí, então. Mas tem tempos que são diferentes desses. Por exemplo, não falaram que tem tempo de plantar e tempo de colher, tempo de estudar e tempo de ficar de férias? E se você ficasse mais tempo de férias do que estudando? Você provavelmente ia aprender menos, né? E lá na exposição dos índios, por que você riu e eu não? Porque eu tenho um tempo diferente do seu. Quer ver outro exemplo, você sabe que não é bom plantar no inverno, né? E se você plantar não vai florescer, logo você já sabe o que é Kairós.
- Entendi, é tipo quando você tava falando com a minha mãe e eu sabia que não era hora de perguntar, porque você tava explicando um negócio sério e eu não ia ter resposta, aí eu preferi perguntar agora.
- É isso mesmo. Você me impressiona às vezes, como você tá grande, menino! 
- Mas o que é tempo de agora? E você e o Benjamin são amigos há muito tempo?
- Você já quis que o tempo voltasse ou parasse?
- Claro.
- E você já parou pra pensar que às vezes o tempo volta?
- Claro que não, não volta. Você tá falando igual desenho animado que tem máquina do tempo.
- Meu, eu tô dizendo que às vezes o tempo volta, mas não do jeito da máquina do tempo. Você não vai conseguir voltar fisicamente, mas como você explica a memória e o que você lembra? Ou a história e o que você já sabe que aconteceu? Você não tava lá, mas aquilo chegou até você.
- Nossa, eu não tinha pensado nisso.
- Se você tivesse pensado eu ia ficar assustada. Então, o Benjamin não é meu amigo. Mas ele disse que há coisas que estão acontecendo agora e que na verdade são sinais de coisas que aconteceram no passado, não é a mesma coisa, mas parecida, entende?
- Não. 
- Mano, é que o que você tá me perguntando é muito difícil de explicar. Tipo, eu acabei de te falar que a história chegou até você, né? Mas quem escreveu a história? Quem foi que disse que fulano venceu a guerra "x" e beltrano perdeu? O Benjamin disse que quem escreveu a história foi quem venceu a guerra, então a gente só consegue saber o que o fulano acha da guerra, porque o beltrano morreu e não pode contar. Você tá entendendo?
- Caramba, essa cara é inteligente, eu entendi, é verdade o que ele disse.
- Então, se você concorda com isso, pensa o seguinte: tem uma guerra, fulano e beltrano estão brigando e você só observando. Você viu que fulano ganhou e beltrano perdeu, o que você faz?
- Ajudo beltrano.
- Sim, mas não é isso que eu tô falando. Eu tô falando que se você não participou da guerra, você tem que ver o motivo pelo qual os dois estavam em guerra e então não deixar que isso se repita, mas você só vai descobrir isso se olhar para o passado. Entendeu?
- Entendi. É difícil, e isso é tempo de agora?
- Lembra que falei do tempo voltar ou parar? Para o Benjamin o "tempo de agora" é como se o tempo parasse. Isso que a gente tá vivendo, essa conversa, veio de algo que aconteceu no passado por exemplo a minha conversa com sua mãe. A nossa missão agora, é ver o que a gente vai fazer com essa conversa, se a gente vai esquecer ou vai fazer com que ela mude algo no nosso futuro, sabe? O Benjamin via o tempo presente, não só como passagem do passado para o futuro, mas como um tempo de salvação. Eu vejo o passado, analiso no presente e escolho como vai ser meu futuro. Por isso ele fala de memória, porque a gente tem que lembrar e aí a gente consegue salvar. Quem só vê o presente, pode repetir os mesmos erros, por isso que o mundo tá uma merda.
- Acho melhor eu conhecer o Benjamin porque eu não tô entendendo o que você tá me dizendo, mesmo você fazendo muito esforço pra me explicar.

- hahahaha Tá certo, me dá um abraço aqui pra gente aproveitar o tempo de agora. E um dia você vai conhecer o Benjamin, sim.

14 de agosto de 2017

auto-estima

(quando uma garota não acredita na sua beleza,
mesmo que haja sinais de que alguém se interessa por ela,
ela não acredita ser possível.)

ela pode ouvir ' qual o seu nome?'
e no dia seguinte ser chamada por 'ceci'
porque quem perguntou lembrou do seu nome,
mas isso é só boa memória.

numa roda de brincadeiras
quando alguém a olha e joga a bola,
depois de ter memorizado seu nome,
não é porque ela é bonita,
é porque ela estava quase na mesma direção dele.

se ela está numa palestra
e ele muda para sala da palestra dela
é porque onde ele estava o tema era chato.

no final, depois de dez segundos de olhares trocados,
ele desvia e ela se acha tonta.
quando ele a convida para gravar um vídeo sobre como foi a semana
ela diz não, porque outras pessoas serão mais interessantes do que ela.

18 de julho de 2017

encontros que transformam



(Antes de iniciar esse texto deixo o alerta, como narradora, que cada vez mais desacredito da existência do narrador onisciente. Diz-se que ele é onisciente porque sabe tudo o que acontece na história, inclusive os pensamentos de seus personagens, mas ele sabe apenas o que conta, o que não conta é o que não sabe e como não sei o que passa no pensamento dos personagens dessa história, alguns fatos ficarão um tanto descontínuos.)

Cecília e Verediana são amigas. Cecília é uma menina de poucos amigos, já Verediana está sempre rodeada de pesssoas, sempre sorrindo, sempre bem informada. As duas têm em comum o hábito de questionar, certamente questionariam o advérbio "sempre" que usei para caracterizar Verediana, pois, como disse Heráclito, todos mudam, seja o rio ou a pessoa que nele mergulha. É claro que tem dias que Cecília está sorrindo, rodeada de pessoas, e Verediana nem tanto, mas frequentemente as duas perguntam, perguntam e perguntam.

Por que o mundo é como é? Não seria eu, a narradora, que responderia essa pergunta que existe desde que o mundo é mundo, mas essas meninas se perguntam isso e querem encontrar pessoas que também fazem a mesma pergunta, pois juntas pensam melhor e podem mudar o mundo aos poucos, ou mudar o mundo uns dos outros. Com a efervescência da juventude e com o desejo de não perdê-la ao envelhecer, Cecília e Verediana procuram espaços para discutir, pensar propostas de educação e formação em direitos humanos, elas têm uma certeza fluída de que a mudança vem do povo, é popular.

Na última semana, as duas meninas, vistas por adultos como "esquerda gourmet" porque nunca sofreram na prática o que as minorias sofrem, participaram de um evento revolucionário. De fato elas nunca passaram fome, elas não sofreram preconceito por amar alguém do mesmo sexo ou por não reconhecer sua identidade ao corpo que têm (esqueci de descrevê-las fisicamente - achei que não teria importância e deixaria esse texto muito grande - Ceci é baixa e Vere é alta, Ceci tem cabelos lisos e Vere cabelos ondulados, o cabelo de ambas é curto e as duas são brancas, ou brancas acreditam ser, mesmo sendo afrodescendentes), mas isso não as impede de se posicionarem como esquerda política.

Voltemos ao evento revolucionário. "Revolucionário" é uma palavra interessante, pode ser substantivo ou adjetivo. Há quem seja 'O revolucionário' e há quem tenha atitudes revolucionárias e revolução é uma mudança brusca e violenta na economia e política de um Estado, agora quem pergunta sou eu: como fazer isso socialmente? Talvez essas personagens e o que aprendi com as discussões do evento tenham me despertado para instigar pessoas a serem revolucionárias, seja lendo meus textos ou participando das minhas aulas.

Disse anteriormente que o evento foi revolucionário porque parece raro na atual conjuntura - Brasil de Lula condenado, Bolsonaro podendo concorrer às eleições presidenciais, reforma trabalhista aprovada, assim como a pec 241 da contenção de gastos para educação e assistência social e a reforma do ensino médio, junto com a Escola sem Partido - que jovens questionem tudo isso. Há um mecanismo que envolve o jovem e o torna individualista e egocêntrico, pensando apenas no seu futuro e que ele tem que ser servido. Devo retornar à Cecília e Verediana porque estou deixando minhas opiniões interferir nessa história que não é minha.

As meninas escolheram suas palestras e entre encontros e desencontros no evento, sentiam-se tensas com o futuro, mas esperançosas por encontrar parceiros. O evento durou cinco dias, e ao findar cada dia, elas saiam com a mente fritando* (*não entendo bem o que significa fritando, é uma gíria que elas usam frequentemente e imagino que signifique, para esta ocasião, "pensar muito", "ficar instigado" ou "cheio de dúvidas". Se você for ao google verá que fritar é ficar alucinado na balada e isso elas não fazem faz muito tempo, parece que estão numa fase entre o suéter, o vinho e uma boa roda de conversa com poucos amigos, ao som de samba, mpb ou Beatles; acho que foi por isso que no último dia elas não foram ao Transarau). No café da noite, uma das conversas foi sobre ser negro. As meninas não se reconhecem negras porque não têm características físicas, mas será que esse critério basta? Ou elas não se reconhecem negras porque, já sabendo o preconceito que os negros sofrem, elas não querem se colocar nessa posição? Como elas lidam com o passado e a herança parental negra? Sendo afrodescendentes, mas sem sofrer o que os negros sofrem, elas poderiam se autodeclarar negras? Agora eu quase me sentiria um narrador onisciente, porque sei que elas pensaram nisso, mas não foi só isso. E isso não é pouco.

Cecília e Verediana não passaram desapercebidas. Seja pela atenção que prestaram à todas as discussões ou pela amizade que têm. As duas amigas participaram de um jogo chamado "De olho na escola" e ao se apresentar brincaram de batata-quente com a turma, há formas muito interessantes de tornar a escola um ambiente agradável e a aula dinâmica. Em um dos dias, entre todas as palestras que participaram, Cecília chegou atrasada e teve que falar seu nome; Alexandre, um dos voluntários do evento, lhe deu "Bom dia" e o guardou na memória. Os voluntários do evento deixaram Ceci encantada, pelo engajamento, pela discussão, pela juventude e dedicação, ela jamais vai esquecer o adolescente Muryel - transexual não binário - ela aprendeu com ele o que é ser "transexual não binário" com segurança. No dia seguinte, pensando no que lhe mais interessa, que é a privação de liberdade de adolescentes, Ceci teve o seguinte sentimento sobre a palestra "isso é para mim, eu quero aprender isso, eu quero lidar com esse público e andar com essa gente", e no final Alexandre lembrou seu nome. No mesmo dia, à tarde, a pergunta que ecoava em Ceci era "como pode o Estado negligenciar a educação de jovens e adultos?" ela lembrou do projeto que estava desenvolvendo com Verediana sobre ser alfabetizado com a própria história, e que ficou perdido em algum lugar do espaço-tempo. Este foi o "último dia", então Alexandre perguntou se Cecília e Verediana tinham se conhecido lá e se poderiam participar da divulgação de tudo que foi feito durante a semana. 

O encontro de Cecília e Verediana não aconteceu naquela semana, mas os encontros delas com Alexandre, Cris Moscou, Muryel, Juliane, Edneia, Denise, Roberto e todas as pessoas que estavam presentes naquela semana, foram encontros que transformam. Esqueci de dizer que a palavra revolução tem muitos significados (como uma boa pesquisadora de literatura fico muito atenta às palavras), um deles é a marcha circular dos corpos celestes no espaço, talvez por isso essas pessoas são tão iluminadas, e estão dispostas a circular quantas vezes for necessário, para que as minorias não fiquem para trás.

(Prazer, me chamo Cecília e quero me encontrar com você!)


6 de junho de 2017

Marias

Caros amigos,

Meu nome é Maria de Nazaré
casei virgem e grávida
ouvia os cochichos maldosos dos vizinhos a meu respeito
e ouvia todos eles elogiarem josé, meu marido
por assumir um filho que não era dele.
quem acreditaria que meu filho era do senhor?
demorou para reconhecerem que fui uma adolescente
corajosa e cheia de fé, por aceitar ser mãe do salvador.
não digo por orgulho, mas no futuro muitos vão me admirar
e ainda sim serão condenados porque sou apenas uma imagem.
No mar meu filho chamou seus filhos
e eu cuido dos pescadores de almas.
mães de pele negra
que contrasta com o vestido branco rodado
em vocês vejo a alegria de dançar sobre as águas.
vejo o sopro da Ruah divina que movimenta suas saias.
e vejo a tristeza de ter um filho morto como o meu.
meninas adolescentes, grávidas, sozinhas.
eu lhes ofereço abrigo, seguimos juntas, Marias.

Meu nome é José Maria
eu sou artista de rua
e o personagem que mais gosto de representar
é Maria, mãe de Jesus.
minha mãe morreu há anos e meu pai nunca conheci.
eu gosto do meu nome, apesar de ser caçoado
porque sou um homem com nome de Maria.
na rua, quando atuo, os homens não se aproximam,
me chamam de marica, mas crianças ficam curiosas
e as mulheres se emocionam,
assim não me sinto só,
sou José, mas gosto de ser Maria.
Seguimos juntas.

Meu nome é Maria (da Penha)
minha mãe me deu o nome de Maria
porque a mãe de Jesus se chamava Maria.
e no meu país tem mais de 11,5 milhões de Marias,
se é comum, se é religioso, não sei, mas é força.
eu tenho três filhas, não as impeço de serem livres.
mas a liberdade pode trazer o preço do abuso
e isso me dá medo, mas ainda ainda acredito no amor.
Desejo que minhas meninas se casem com homens
diferentes de seu pai. Sem tiro, sem eletrochoque
do seio da terra as Marias se levantam e lutam
por direitos iguais e justiça. Seguimos juntas

Um abraço esperançoso,
de quem carrega Maria no nome.

20 de maio de 2017

poema chuvoso

no dia em que nasci, chovia.
inexplicavelmente todo aniversário meu chove
quando eu era criança diziam
cê tem bruchove? e eu respondia não,
mas a pergunta era 'setembro chove?'
'chove', mas agora é maio.
aquele que faz chover
compartilha a minha alheia melancolia
é como se de gota em gota
des
ces
se
uma parte de mim
de encontro com a terra e florescesse.
vamos tomar café,
(adultos tomam café)
comer bolinho de chuva
e prosear?
em frente à janela,
observamos cair água do céu.
parece fazer frio lá fora,
mas aqui dentro, bem lá dentro
é TEMPESTADE.
ao me ouvir, você seca meu chão.

a mulher que não tinha amigas

há muitos, muitos anos atrás
a mulher tinha amigas e amigos
eles cuidavam da sua casa,
do seu imenso jardim,
banhavam-se na sua piscina,
mas a conservam limpa.
eles também administravam
toda sua fortuna
e tudo caminhava muito bem,
a relação deles era de confiança.
um dia chegou uma mulher
muito poderosa, fingindo ser amiga
da nossa personagem principal.
ela expulsou da casa da outra,
todos os seus amigos.
tomou para si suas riquezas e partiu,
deixando seus empregados dominando
a pobre mulher.
com o passar do tempo,
cada um de seus amigos e amigas
foi sendo dizimado.
passados muitos, muitos anos
chegaram outras três mulheres
que disseram à nossa querida mulher
que no terreno de sua casa
havia terra fértil, que poderia produzir.
então ela voltaria a ser rica.
pobre mulher! elas não mentiram,
mas usaram seu terreno e também partiram,
com todos os bens que a terra lhes dera.
mais alguns anos se passaram.
vieram homens maus e abusaram
das filhas da mulher.
se as meninas discordavam,
se expressavam,
os homens violentavam cada uma delas
então muitas partiram
pra nunca mais voltar.
a história da mulher
ficou manchada de sangue e lágrimas.
cheia de fragilidade,
a mulher confiava em qualquer um.
agora, num passado bem presente,
quem prometeu ajudá-la,
tirou o restinho de dinheiro
que estava em sua poupança.
ela se vê só e sem esperança.
pobre mulher, só teve amigos
no início de sua história.
ao seu redor só se ouve as fofocas,
'como ela sairá dessa crise?'
'se ela tivesse escutado as filhas que partiram, 

não estaria nessa situação'
pobre mulher sem amigas!
está com a casa desconstruída,
imersa em ruínas,
pensando como sobreviver
a sua própria tragédia.

20 de abril de 2017

8 de abril de 2017

resistir

para Pâm Ela

em 2013 a menina
colou grau com dez colegas
sem beca, sem capelo.
a maioria desses colegas
formavam-se às pressas,
pois tinham sido aprovados
no mestrado.
durante a graduação
dois jovens se suicidaram
na universidade.
e todos se perguntavam "por quê?"
a universidade tinha estrutura
precária e a maioria dos alunos pobres,
escola pública, negros, homoafetivos.
muitos pais têm medo do filho
na universidade porque lá é libertino.
nesse espaço houve muitas greves e ocupações
a menina fez sopões pra vender na greve
e arrecadar dinheiro
para o movimento estudantil,
ela era tesoureira do movimento.
no primeiro dia de aula da calourada
havia um cartaz que dizia
"histórias do movimento estudantil
com a representante discente no consu Ana B."
quanta violência policial contra estudantes!
foi a primeira abertura de olhos.
uma vez, uma grande amiga foi levada
para a polícia federal e o desespero tomou conta.
por que jovens se suicidam?
muitas vezes leituras são frequentes
aberturas de olhos
então você vai compreendendo o mundo
a injustiça dele, o seu não-lugar
ou o lugar que não querem que você ocupe.
quando você se posiciona contra,
quando você luta, é oprimido
então vê que há apenas três possibilidades:
vai contra o sistema, sabota o sistema pelas beiradas
ou se sabota, então morre. e dois jovens
morreram enquanto a menina estava na graduação,
a universidade lançou nota de lamento
nada mudou debaixo do sol.
auxílio permanência, psicólogo, drogas, abuso, gravidez
textos, textos, sindicância, textos, textos
EXPERIÊNCIA. crianças e universitários
os cães basílio e camões.
quem entrou em 2009 e formou em 2013
concluiu no tempo adequado
não há mérito nisso.
quem entrou em 2010 e formou em 2017
concluiu no tempo adequado também
há mérito nisso!
porque ser universitário é resistir,
desde a aprovação, aos dias de trabalho e estudo
às leituras insanas, ao corpo cansado.
sobreviver e terminar com um papel
que diz 'você é bacharel, licenciado
mestre, doutor' etc etc porque cumpriu 'x' créditos,
mas vai fazer o quê com isso?
na real você tem um certificado nas mãos
que diz que você viveu e se relacionou, amou, lutou
e sabe bem o que fazer com isso,
pois só você pode ver a Lua pela manhã.

6 de abril de 2017

um testemunho sobre cabelo

mariane é uma moça de poucas vaidades. isso não é um problema. mariane sempre quis ter cabelos encaracolados. mesmo com muito babyliss e laquê, o cabelo de mariane nunca formou um cachinho.
quando mariane tinha nove anos, xuxa - uma famosa apresentadora de programa "infantil" na década de '90 - abril inscrição para um concurso de paquitas (não me peçam para explicar o que foram as paquitas). mariane já estava na aula de ballet e jazz há cinco anos e diziam "você já é uma moça, tem cabelos lisos, dança tão bem, por que não pinta o cabelo de loiro e tenta ser paquita?". então mariane pintou os cabelos de loiro, sua família era meio maluquinha.
resumidamente, para sua sorte, mariane não se tornou paquita. nessa época, mariane tinha cabelos longos, mas pegou tanto piolho, mais tanto piolho, que apenas o corte "joãozinho" foi a solução para extinção dos piolhos.
os meninos zoavam mariane por causa do seu corte. passados dois anos, a menina já estava com os cabelos no ombro. um dia, na escola, umas meninas disseram "seu cabelo não é liso de verdade, se jogar uma água aí, vira bucha". mariane não deu a mínima para essas meninas e sentou com suas amigas nos degraus de baixo de um grande escadão que tinha no pátio. as meninas que duvidavam das madeixas lisas do cabelo de mariane, subiram para os degraus de cima do escadão - sem que ela percebesse - e derramaram uma garrafa de água em sua cabeça.
mariane não fazia a menor ideia do significado de tudo aquilo, mas no final do dia, com os cabelos secos e a roupa úmida, mariane foi até as meninas e disse "acreditam que meu cabelo é liso agora?".
mariane cresceu. a questão do cabelo sempre foi um problema, porque ao mesmo tempo que ela queria cachos, recebia tantos elogios referente ao seu cabelo que isso levantava sua baixíssima auto-estima. ela queria cachos, mas nunca cuidou bem de seus cabelos, nem condicionador passava.
quando mariane ia ao cabeleireiro eles sempre cortavam muito e queriam pintar, ela já teve dreads e já pintou o cabelo de muitas cores. atualmente prefere o natural. no tempo de agora que já dura alguns anos, há uma profunda discussão sobre empoderamento feminino e dentro dessa discussão há espaço para a questão dos cabelos. mulheres negras, por causa da indústria da moda, da beleza, são oprimidas e escondem seus cachos, consequentemente todo o símbolo que está por trás disso. essa discussão não é limitada às mulheres negras, mas a todas que são afrodescendentes e têm cabelos cacheados, crespos...
diante desse debate, mariane percebeu o porquê dos cabelos lisos e loiros serem ideais para paquitas ou porque as meninas da escola molharam seu cabelo. mariane fica encantada com a diversidade dos cabelos e com a força das mulheres que escolhem passar pela transição capilar. mariane só pode dizer que compreende quem ainda não consegue passar também, afinal mariane nunca entenderá o que passam essas mulheres...
hoje mariane foi cortar o cabelo. a cabeleireira de mariane é muito especial, porque ela é visagista então elas conversam sobre muitos assuntos que nem chegam perto de maquiagem etc, etc. a conversa foi tão incrível que mariane me pediu para escrever esse texto. o cabelo representa poder (muito louco isso).
desde a pré-história a representação das mulheres é sendo arrastada pelos homens que puxavam seus cabelos. os egípcios forçavam suas mulheres a raspar seus cabelos e usar perucas que as padronizavam e eliminavam qualquer indício de identidade. a maldição de medusa na mitologia grega vem dos cabelos. na idade média a igreja impunha os cabelos longos às mulheres para representar feminilidade e o véu da noiva. na década de '20 o famoso corte "la garçonne" deu autonomia às mulheres que eram introduzidas ao mundo do trabalho e totalmente reprimidas pelos homens que consideravam esse corte promiscuo; um corte de meretrizes e essa ideia caluniosa se propagou com a personagem Louise Brooks.
essa foi a conversa que mariane e sua visagista tiveram enquanto o corte era feito. o cabelo curto é sofisticado e empoderado (obviamente isso não significa que mulheres de cabelos longos não são fortes), então mariane saiu mais satisfeita do que nunca com seu cabelo curtinho.

06 de abril

é preciso estar vivo
para celebrar
o aniversário.
vivo no mundo
e não na lembrança
do outro.

1 de abril de 2017

o dia em que fiquei verde

Isaac e eu somos primos, mas é como se fôssemos irmãos. Eu sou a moça, que já foi legal e agora é chata, dezoito anos mais velha. De todas as definições possíveis para o nosso relacionamento, posso dizer que Isaac e eu somos amiguinhos, espero que Isaac e eu permaneçamos amigos quando ele se tornar adolescente.
Quando Isaac tinha aproximadamente seis anos, já brincávamos com jogos de tabuleiro. Por algum motivo, que não sabemos explicar qual é, nossa família é levemente competitiva, uns não aceitam perder porque julgam-se melhores em certas atividades e outros - como eu - perdem, mas dizem que foram injustiçados. Isaac faz parte do primeiro grupo e às vezes migra para o outro.
Isaac é um excelente jogador de dama, eu, em contrapartida, não entendo como de repente uma pecinha sai comendo todas as outras pecinhas de uma vez - é isso que Isaac costuma fazer comigo - consequentemente, todos me consideram uma péssima jogadora de dama e neste caso não tenho coragem de dizer que sou injustiçada.
Um dia, e agora sim remeto ao tempo que Isaac tinha seis anos, estávamos só nós dois em casa, e para variar: jogávamos dama. Eu já tinha perdido incontáveis vezes, então pensei "vou pregar-lhe uma peça", então disse:
- Isaac, você sabe que existe um limite para as pessoas perderem nos jogos? Se em um único dia eu perder mais de 50 vezes, para você, eu vou ficar doente, vou ficar verde!"
Conhecendo-me bem, Isaac sorriu e disse:
- Para de mentir, é impossível alguém ficar verde.
Então eu respondi: - Vamos jogar, já estamos na partida 33, se chegarmos a 50 partidas e eu perder todas, você vai ver, eu vou ficar verde.
34, 35, 36... 44, 45, 46...
- Isaac, eu vou ao meu quarto e já volto. (separei toda a maquiagem) Pronto, vamos recomeçar a partida.
- Nani, faltam só quatro partidas para completar 50 derrotas suas na dama e você não está nem um pouco verde. Você está perdendo de propósito?
- Claro que não, você acha que eu quero ficar verde?
47, 48, 49...
-Isaac, você não vai ao banheiro? Você não para de se mexer.
- É eu estou apertado, mas quero te provar que não vai ficar verde.
- Pode ir ao banheiro, eu te espero, Fica tranquilo, dessa vez eu vou ganhar de você para ficar verde. Também estou cansada, foram muitas partidas seguidas.
- Tudo bem , vamos pausa, eu já volto.
Enquanto Isaac foi ao banheiro, passei a maquiagem verde no rosto todo e voltei para a mesa onde estava o tabuleiro, mas permaneci de cabeça baixa.
- Pronto, vamos terminar logo! Disse Isaac.
- Vamos sim, eu estou com um pouco de dor de cabeça, por isso estou com a cabeça baixa, viu. Está muito claro aqui.
- Lá vem, você está me enrolando porque não vai ficar verde, mesmo perdendo, Eu fui bem rápido ao banheiro.
- Aff, nem estou pensando nisso, só quero terminar logo. Quem vê pensa que eu faço tudo para ganhar.
Partida 50. A cada jogada eu dizia que estava me sentindo mal, dor de cabeça, dor nas costas, dor nas pernas. Isaac dava gargalhadas, mas não via meu rosto.
Quando finalmente ele venceu a quinquagésima partida, eu disse:
- Liga para o hospital agora, eu senti uma pontada forte na barriga!
Então, levantei o rosto, tirei o cabelo da face e gemia, fingindo estar passando mal.
- Meu Deus, Nani, você está verde. Não pode ser, é mentira!
- Eu estou verde? Como assim? Não pode ser! Cadê o espelho? Socorro!!! Eu estou verde. Eu estou horripilante, está vendo? Eu te disse! Por que você não me deixou ganhar?! (comecei a chorar)
- Eu não sei o número do hospital, eu não queria fazer isso com você. Desculpa, você vai ficar bem, eu não quero que você morra. Eu estou com medo.
- Eu também não acredito que estou verde. Eu te disse, você não acreditou.
- Que tal a gente jogar de novo e você ganhar?
- Eu não quero mais jogar, faz um favor para mim. Pega água para eu beber e papel pra eu secar o suor. Talvez bebendo água eu me sinta melhor.
- Pronto, está tudo aqui.
Eu levemente molhei o papel na água e fui passando no meu rosto. De repente fiquei com meu tom de pele normal e disse:
- E agora? Quem venceu essa fui eu! (gargalhadas)
- Como você pode fazer isso com uma criança? Você é TERRRÍÍÍÍÍÍVEL!

(essa história terminou com Isaac gritando, chorando e gargalhando ao mesmo tempo, me perseguindo pela casa e tacando pecinhas de dama em mim. No fim ele disse que ninguém tinha uma irmã como a dele e então ficamos verdes.)


intempestivo

paradoxalmente
quem nutre
ressentimento
perdeu as faculdades
de lembrar
e de esquecer.
lembrar do amor
esquecer a ferida

30 de março de 2017

cascas

a hesitação
o olhar
as mãos trêmulas,
que fotografam.
o suar frio
a respiração ofegante

são atos de fala,
testemunhos.
nós: leitores do silêncio.

18 de março de 2017

Ilana

Acabo de assisti uma palestra performática com Ilana. Ilana esteve na minha banca de mestrado. Ilana me disse "sua pesquisa é muito interessante, e ninguém conhece ela melhor do você, defenda suas ideias até o fim", isso me deixou tranquila. Eu agradeci e perguntei: qual o seu nome? Ela respondeu: Ilana. Quando estava na graduação, minha orientadora falava muito de Ilana - sua amiga. Ilana era uma desconhecida, brilhante. Por dez segundos não tive o que dizer à Ilana, meus pensamentos rememoraram todo meu percurso e tudo que ouvi sobre Ilana e agora ela me elogiava e estávamos próximas, só pude dizer "obrigada", não vi mais Ilana. Ao ouvi que Ilana participaria do ciclo "em obras", logo aceitei o convite para participar também, no ciclo estariam mulheres talentosíssimas e a oportunidade de ouvi-las era uma honra. Duas semanas antes do ciclo começar, Ilana e eu dividíamos a mesma sala de aula, ela no pós-doutorado e eu iniciando o doutorado. Nos encontramos no banheiro, mas ela não me reconheceu. Li que a tese de doutorado de Ilana recebeu o famoso e raro "com louvor" e foi recomendada pela Academia Internacional de Cinema.
Em sua palestra performática, Ilana disse que "Ilana" é um nome comum na comunidade judia. O ato de nomear e ser nomeado é importante para os judeus. Não sei mais se o nome identifica. Procurei o nome e sobrenome de Ilana e no google apareceu a imagem de outra Ilana, essa outra Ilana dá aulas no departamento de antropologia da Universidade de Columbia. Ilana gostou da minha pesquisa porque estudei os modos de testemunho poético na obra de Tamara Kamenszain, uma escritora judia argentina (a herança de um exílio que constitui o eu, cuja a história é passada pela palavra, é uma premissa para os judeus). Atualmente, Ilana estuda os diários de David Perlov, também judeu. Não sei mais qual o cruzamento dessas histórias.
Ilana contou em sua palestra que esteve em Tel-Aviv, conversou com a esposa de Perlov e recebeu mais diários, estes escritos. Ilana não sabe o que fazer com isso. A história do outro é preciosa. O texto de Perlov era o que a viúva tinha de Perlov. A letra, o modo de expressar-se. O que era importante e valia o registro. O era banal e valia o registro. Não sei mais qual a distância entre textos orais e escritos, mas sei porque Ilana ficou desconfortável. Ilana fez a viagem para Tel-Aviv com a família. Seus pais são judeus, não foi por acaso que a nomearam Ilana. Ilana voltou para o Brasil. Seus pais ficaram em Tel-Aviv. Ilana tem dois textos impenetráveis, os diários de Perlov e as cartas de seu tio avô - escritas em iídiche - ainda sim, é partindo desses textos que Ilana faz sua palestra. Ilana está sozinha, acompanhada de memórias.
Depois de ouvir Ilana fiquei imaginando como seria a oficina com ela no dia seguinte. A caminho de casa, no metrô, encontro uma senhora. Ela me pergunta "sabe como vou à estação Fradique Coutinho?", eu respondo "pegue o metrô no sentido Consolação, faça baldeação na estação Paulista, siga o fluxo e pegue outro metrô no sentido Butantan", vejo que a senhora continua perdida e minha percepção se confirma quando ela diz "preciso dar sinal para o metrô parar?". Digo a senhora "só me segue, eu te deixo lá", então ela me diz "obrigada, estou indo ao encontro de minha filha: Ilana". Pergunto "faz tempo que a senhora não vem a São Paulo (percebi pelo sotaque e obviamente pela pergunta sobre o sinal nas estações)?", então ela responde "faz tempo que não venho ao Brasil, moro em Tel-Aviv, sou judia". Penso "não pode ser". Nosso diálogo foi ficando interessante, então a senhora me contou que seus pais eram judeus, vieram para o Brasil, e que moraram no Rio de Janeiro durante anos, mas quando a filha decidiu estudar cinema, eles foram para Tel-Aviv. Por lá ficaram e a filha decidiu voltar.
Lembrei do sotaque carioca de Ilana lendo seu texto na palestra, lembrei de Ilana dizendo que sua mãe procurou por muito tempo um casaco em Tel-Aviv; a senhora usava um casaco pomposo e está muito calor em São Paulo. Não me aguento e pergunto "faz quanto tempo que a senhora mora em Tel-Aviv?" e ela responde "seis anos, por quê?", eu explico que a cidade mudou, etc, etc e então chegamos ao destino da senhora. Quando nos despedimos eu digo "o nome de sua filha é Ilana Feldman, né?" e ela diz "não, é Ilana Goldstein". Dessa vez Ilana me reconheceu.

16 de março de 2017

ciclo universitário

o sonho do puxa saco
é ter quem puxe seu saco
a tristeza do puxa saco
é não ter um saco para ser puxado
a impaciência de quem não puxa saco
é conviver com tanto puxa saco
quem não puxa saco é odiado pelo puxa saco
porque quem puxa saco não entende
quem não puxa saco
no fim é muito saco pra puxar

memória

nos é proposto
um exercício:
escrever sobre
a memória
do outro,
eu escrevo
sobre a sua
você escreve
sobre a minha

quando eu era
criança
lembro da minha
mãe
tentando jogar-se
do carrro em
movimento,
depois que minha
irmã nasceu.

quando eu era
adolescente
meus pais se
divorciaram,
fui morar numa
casa de madeira,
infestada de cupins
no inverno a casa
soava estalos

às vezes eu ia
para casa da minha
avó
seu quintal tinha
piso de madeira,
eu insistia em plantar
flores no chão
que não era terra,
chovia, eu afofava os pés

de quem são
essas memórias?
um de nós
emudeceu,
são duas histórias.
como vamos
cumprir o exercício?
não há o que contar,
escreva, somos
espectros fugidios.





6 de março de 2017

cabelo

leu num outdoor
"seus cachos
florescem cultura"
depois disso
entrou no vagão
do metrô
e a sua frente
de costas
havia um homem
sentado.
seus cabelos
lembravam
as raízes
de uma árvore.
as pontas,
loirinhas,
refletiam o brilho
solar, mas estava
nublado.
parecia tão jovem,
mas era um senhor
que ao levantar
para descer
em sua estação
de destino,
não florescia,
frutificava
com seus dreads.
pobre menina
de cabelos lisos.

11 de fevereiro de 2017

medo

às vezes me olho no espelho
aos poucos vou sentindo
a matéria, as vibrações
do meu corpo,
o correr do sangue nas veias
olho fundo nos meus olhos
me assusto.
se perguntam do que tenho medo
não sei o que responder,
talvez tenha medo de mim
sem a graça.
de olhar bem fundo, dentro de mim e
encontrar o que abomino.
tenho medo de perder a memória
medo da rejeição
medo de não ser a canção
que o outro precisa ouvir.
eu tenho medo de religiosos e
de deixar meu tempo ocioso.
medo de perder a linguagem e
dos meus pensamentos, que por vezes
se distanciam da verdade.
eu tenho medo da morte de quem amo,
mesmo sendo sobrevivente.
medo de não amar os vivos.
eu tenho medo do mundo não mudar e
de perder força ao longo do caminho,
medo da indiferença e
dos sonhos frustrados.
há quem tem medo
de que o medo acabe
o medo pode ser defesa,
mas o meu maior medo
é de que meus medos permaneçam.




9 de fevereiro de 2017

professor alemão

chico buarque
como o bom escritor
que cria do que vive
escreveu 'o irmão alemão'
eu não tenho tenho um
irmão alemão
eu não tenho uma
cidadania alemã
eu sei duas palavras
em alemão,
mas eu leio a tradução
de autores alemães.
eu tive um professor alemão.
em greves meu professor
alemão era chamado de nazista.
o professor alemão era íntegro,
quando o chamavam de nazista
ele se calava.
a cor de seus olhos, a cor de sua pele
seu português difícil de entender
denunciavam o lugar de onde vinha
e sua histórica herança.
no segundo semestre da graduação
eu tive aula com o professor alemão.
ele dava aulas de teoria literária.
eu falei de bertolt brecht e quase reprovei
depois falei de adorno e fui aprovada.
as meninas da minha sala
estudavam muito para dar respostas
certas na aula do professor alemão.
ele me irritava, mas elas achavam ele lindo
ele fazia perguntas simples
de um jeito tão complexo
que uns passavam vergonha ao responder
enquanto a sala inteira era silêncio.
no primeiro semestre
do último ano da graduação
eu tive aula com o professor alemão.
eu era outra leitora e ele outro professor.
eu não tinha vergonha de responder
e ele já sabia como perguntar.
eu participava do grupo de estudos
'literatura e psicanálise'
cujo coordenador era o professor alemão.
um dia, o filho do professor alemão
adoeceu, então ele me ligou e pediu
que eu dispensasse a turma.
as meninas ainda morriam de amores
por ele, queriam que eu passasse o telefone dele
sendo que eu nem sabia como ele tinha o meu.
ele disse que eu parecia confiável
então pediu meu número para minha orientadora.
um dia ele aplicou uma prova
- foi lá que eu aprendi o que era darstellung
e vorstellung, as duas palavras em alemão
que eu sei o conceito, a pronúncia e a escrita-
sobre 'representação' e 'sublime'
quando o resultado saiu
eu peguei o meu e de uma amiga
e ele deixou um recado para ela.
eu fiquei doida.
não pelo recado, mas pela nota.
com toda ética fui reclamar
e ele disse 'você pode mais que isso'.
toda semana eu via o professor alemão
organizamos eventos, discutimos textos
representamos o curso, como docente e discente
até que chegou o dia em que tive que dizer 'tchau'.
ele já me chamava de mari
eu já não o detestava como no início.
quando ouvia rumores de que ele
se envolvia com alunas
isso não afetava minha opinião sobre ele.
sempre houve uma relação de poder,
mas de respeito ou talvez minha feiura,
minha nerdice ou minha inocência
não deixavam eu notar qualquer falta
de caráter.
para ter a admiração do professor alemão
eu refazia trabalhos por míseros 0,3 pontos,
porque ele me parecia o mais exigente
e competente leitor e pesquisador.
lhe faltava a didática, mas aprendi muito com ele.
em meu último dia presente na graduação
ele escreveu
'querida mari,
você não deixa só o vazio da sua ausência
mas deixa uma maçã reluzente em minha mesa.
como seu professor, como coordenador
do curso de letras, é um orgulho
saber de sua aprovação no mestrado
em teoria literária da unicamp,
minha disciplina, meu lar, minha universidade.
quando der, apareça, sentirei saudade'
esse recado mudou mais ainda
minha percepção sobre o professor alemão.
três anos depois eu o encontro num congresso
e digo que fui aprovada no doutorado,
ele me diz 'agora você me deu um bosque
cada encontro é um eco, é um passeio'
eu lhe digo que não estou tão feliz
porque não é o mesmo orientador
então ele diz 'a unicamp pode ser sua casa,
mas a unifesp é seu lar e aqui você
nunca será rejeitada'.
eu preciso aprender a me superar,
mas uma coisa eu aprendi
meu professor alemão
sempre será meu professor,
porque ele me ensina o que está
além da teoria literária,
ele tem um enorme coração.
eu não tenho conteúdo para escrever
um livro como o do chico,
mas um poema ou uma canção eu consigo:
meu professor alemão.

6 de fevereiro de 2017

A teia de aranha: literatura, política, tecnologia e sonho


Mariane Tavares[1]

A primeira vez que li, eu mesma, um livro inteiro tinha seis anos. Lembro-me de tudo, estava na primeira série do ensino fundamental e a professora nos levou à biblioteca. Ela nos deixou livres e disse que poderíamos escolher qualquer livro que quiséssemos. Eu olhei, olhei e olhei até encontrar “O primeiro amor de Laurinha”, de Pedro Bandeira, esse foi o livro que escolhi. Todos começamos a ler o livro na escola e depois teríamos que justificar nossa escolha (acho que me identifiquei com a menina estranha desenhada na capa). Li o livro inteiro no mesmo dia. Amei ler. Depois li muitos livros de Pedro Bandeira, como: “A droga do amor”, “A droga da obediência”, entre outros. Passados vinte anos, agora sou doutoranda em teoria e história literária: que loucura!
Antonio Candido em seu texto “Direitos humanos e literatura” afirma que a literatura é um direito da humanidade, pois o ser humano não passa um dia sequer sem ficcionar ou fabular algo sobre a vida e nesse sentido a literatura age na formação do caráter dos sujeitos. No início, Candido apresenta o que são direitos humanos e refere-se aos direitos à alimentação, à moradia, à saúde, à justiça, à liberdade, à crença, à opinião, ao lazer e à educação; para o sociólogo e crítico literário esses direitos devem ser assegurados porque garantem a sobrevivência física do ser humano, bem como sua integridade e capacidade intelectual. Desse modo a pergunta que surge é: a literatura, interpretada como arte de forma ampla, no que diz respeito à educação, não seria também um direito do ser humano? Naturalmente o ser humano faz literatura em todo tempo, ao contar uma história, ao ouvir uma música, ao ler um poema e assim vai construindo suas relações de humanização.
A literatura permeia toda a cultura, seja no folclore, nas lendas, nos cordéis, nas piadas e nos livros – onde há uma complexa produção intelectual –, logo não é possível que o ser humano, em sua vivência e relacionamentos seja capaz de viver sem alguma espécie de manifestação literária. Para Antonio Candido “a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.” (1989, p. 113); a definição que Candido dá para o papel da literatura inclui uma ideia formativa, de construção da personalidade e por isso ela é tão importante porque por ela e através dela o sujeito pode transformar o mundo, nela ele vive vários mundos conscientemente ou não. Na reflexão proposta por Candido a literatura humaniza e a humanização é “o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante” (1989, p. 117).
Compreendendo que a literatura está além do texto literário, mas que sua principal manifestação vem a partir dele para humanização do ser, surgem duas perguntas: como lidar com os altos índices de analfabetismo no Brasil? Qual a importância do professor de literatura na escola?
Em 2016 vários jornais como Folha de SP, Estadão, G1 divulgaram notícias falando sobre analfabetismo. Em fevereiro publicaram que 27%[2] (13 milhões aproximadamente) dos brasileiros são analfabetos, um levantamento do Instituto Montenegro em parceria com o Instituto Ibope afirma que pessoas que passam até oito anos na escola não conseguem reconhecer o que é ironia e não sabem diferenciar notícia de opinião. Também no mês de fevereiro publicaram que apenas 8%[3] das pessoas em idade propicia para o trabalho são capazes de interpretar letras e números e se expressar através deles. Em junho, Luiz Ruffato, também em um grande veículo de comunicação, publicou que um em cada três[4] brasileiros adultos não sabe ler e escrever e que educação com qualidade no Brasil é privilégio de uma elite mandatária. Em agosto o governo de Michel temer suspendeu o programa[5] nacional de combate ao analfabetismo. Em outubro Sertanópolis[6], no Paraná, por pouco não pôde eleger seu candidato mais representativo nas eleições porque ele foi considerado analfabeto funcional. Enfim, em novembro o Pnad (Pesquisa Nacional por amostra de domicílios) junto com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que a taxa de analfabetismo no Brasil em relação a 2015 diminuiu[7], mas ainda é alarmante, principalmente na região norte do país; ao mesmo tempo torna-se contraditório pensar que de lá vem as principais lendas do folclore brasileiro e também grandes escritores como Milton Hatoum e Max Martins.
O analfabetismo no Brasil não impede o indivíduo apenas de ter acesso à literatura, mas o impede de ter acesso básico a muitas coisas. O indivíduo não leitor não pode tomar um ônibus, não pode assinar um contrato, não pode participar de processos seletivos, não pode candidatar-se a cargos públicos entre muitas outras atividades. Quando o direito à literatura é negado, o indivíduo é privado de muitos outros direitos. A literatura não inicia a partir da escrita, mas da leitura. Um escritor escreve porque há um leitor e se não há leitor, não há porque ter escritor. Dentre as muitas crises pelas quais a literatura já passou, a crise do leitor é contínua e vem se reconfigurando. Roland Barthes já pensava sobre o leitor em “O prazer do texto” quando afirmava que a escrita sem leitura é como uma voz sem sonoridade, pois no texto só o leitor fala, isso significa que o que o autor deseja comunicar nem sempre é o que o leitor vai interpretar, segundo o semiólogo francês no texto há pelo menos seis vozes a serem ouvidas: a voz do leitor, a voz da pessoa, a voz da empiria, a voz da ciência, a voz do simbólico e a voz da verdade. No emaranhado de vozes o leitor vai decodificando o texto e o texto tem muitas linguagens, mas se o indivíduo não é leitor ou se é leitor e não sabe decodificar, ele novamente deixa de ter acesso ao cânone e passa para o que é considerado a “nova literatura” disponível por meio dos “booktubers”, que a apresentam com a máxima da coloquialidade.
Esse leitor-não-leitor só fará esse movimento se tiver acesso à tecnologia. É um indivíduo que, mesmo não tendo acesso a uma educação de qualidade, economicamente falando tem acesso à internet e tem computador em casa, é um perfil mais voltado à região sudeste do país, mas não significa que nessa região não tenham pessoas que não têm acesso a nenhuma tecnologia; da mesma maneira que nas demais regiões do país certamente tem quem tem acesso a todos esses aparatos. A primeira dificuldade do sujeito que está preocupado com o analfabetismo no país é identificar os analfabetos, assim como a dificuldade do professor de literatura é identificar nas salas de aula lotadas quem são seus alunos leitores-não-leitores. Questionários não ajudarão no processo, mas ao encontrar um caminho, o segundo passo é descobrir como fazer com que leitura e tecnologia dialoguem. É reconhecer o que os analfabetos e os leitores-não-leitores têm ao seu redor e pode auxilia-los no reconhecimento do que já sabem e do que podem usar como ferramentas no processo de ensino-aprendizagem.
Dado esse cenário, somados a negação do Estado em proporcionar educação de qualidade para todos, o professor de literatura precisa usar a teoria a seu favor e a experiência para transformação da realidade do aluno, ele não pode esquecer que a literatura é um direito humano e seu sonho deve ser ver seus alunos de seis e sessenta anos lendo e compreendo livros como “O primeiro amor de Laurinha” ou “A metamorfose”, se Franz Kafka.

Referências
CANDIDO, Antonio. Direitos Humanos e literatura. In: A.C.R. Fester (Org.) Direitos humanos E… Cjp / Ed. Brasiliense, 1989.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.




[1] Doutoranda em Teoria e História Literária pela Unicamp.
[3] Acessado em 22/02/ 2016. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/02/29/no-brasil-apenas-8-escapam-do-analfabetismo-funcional.htm
[4] Acessado em 18/06/2016. Disponível em:  http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/15/opinion/1466026241_322188.html
[5] Acessado em 19/08/2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/08/1807683-governo-temer-suspende-programa-nacional-de-combate-ao-analfabetismo.shtml
[6] Acessado em 30/10/2016. Disponível em: http://eleicoes.uol.com.br/2016/noticias/2016/10/05/com-candidato-considerado-analfabeto-cidade-do-pr-pode-ter-nova-eleicao.htm
[7] Acessado em 26/11/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/taxa-de-analfabetismo-cai-pelo-quarto-ano-no-brasil-mas-sobe-na-regiao-norte.ghtml