7 de novembro de 2017

Levantes




"Levantar" é um verbo transitivo, cujo a raiz vem do latim tardio levantare* e do latim levans*, é o particípio presente de levo, -are, erguer, elevar. Ao procurar sinônimos do verbo "levantar", uma das opções é "arvorar". Pois bem, pesquisando sobre essa palavra após visitar a exposição "Levantes", com curadoria de Georges Didi-Huberman, imagens distintas que se aproximam pelo movimento de elevar, subir, etc.

Quando o sol nasce, e nascer implica em vida, ele se levanta. Quando as plantas e vegetais crescem, eles se levantam, por isso um dos sinônimos é "arvorar". O movimento das águas do mar é erguer-se de forma sublime e cair continuamente, mesmo o cair não faz com que o mar perca sua impetuosidade, porque para se levantar é preciso cair. 

Uma das ações que caracteriza a rendição de presos é erguer as mãos para mostrar que não porta objetos ilegais, em seguida suas mãos são postas para trás e algemadas. O mesmo movimento de erguer as mãos é feito em momentos de contexto religioso, quando a comunidade está adorando ou fazendo preces, interessante é pensar como situações aparentemente tão distintas têm uma relação: levantar.

311 vezes o imperativo do verbo levantar aparece no novo testamento das escrituras sagradas: Levanta-te! Semanticamente é adequado o uso do verbo levantar quando Jesus ressuscita a filha de Jairo e diz "Menina, levanta-te" (Mc 5.41), pois a menina estava morta e os primeiros sinais que mostrariam seu retorno à vida, eram respiração e movimento. Quando Jesus cura o paralítico de Betesda, também é adequado dizer "Levanta, toma teu leito, e anda" (Mc 2.11), afinal a cura só seria visível se o paralítico se levantasse e andasse. Entretanto, quando Jesus cura o cego Ele também diz "Levanta-te" (Mc 10.49) e ao curar o leproso diz "Levanta-te e vai, a tua fé te salvou" (Lc 17.19). Mesmo quando o verbo levantar se torna substantivo "LEVANTES" ele ainda implica numa ação. 

Na exposição de Didi-Huberman duas performances chamavam a atenção, contudo não foi possível identificar o nome dos artistas. A primeira era uma fita de cetim vermelha, enrolada em um carretel que estava sobre um pequeno orifício no chão, de onde saía muita, muita ventilação. Em menos de dois minutos o vento desenrolou toda a fita, com movimentos de ginástica rítmica, mas sem nenhum humano - a primeira pergunta foi: quem é o artista? A fita ou o vento? A sensação visível era como ver os ossos secos de Ezequiel 37 se levantar com o sopro divino. A segunda era um copo de leite sobre a mesa, a mão do artista batia com força sobre a mesa e aos poucos o leite caía do copo, ao londo de inúmeras batidas, o copo de leite é derrubado; para cair é preciso estar erguido. Como o copo de leite são muitas as batidas que o humano leva para que caia.

O substantivo "levantes" é a reação de um povo ao lutar contra opressão. Ficou evidente que esse movimento necessariamente tem a ver com vida. Quando forças exteriores querem pôr fim a uma ideia, o povo se levanta. Há quem corte árvores e ainda sim elas se levantam. As águas do mar são poluídas, mas as ondas se levantam. Mesmo quando há queda, ela mostra a necessidade do levante. Ao reger uma orquestra o maestro levanta as mãos e a partir daí dá vida à música e harmonia à sua existência. Nesse sentido, quando a voz é alteada para mostrar autoridade, dá para entender porque Ele frequentemente dizia "Levanta-te" essa palavra ganha outro significado quando unida às imagens, o que Ele dizia era "Sua vida não vai ser a mesma, mesmo que caía, eu não estou só curando você, eu estou te dando nova vida: Levanta-te".

"Levantes" é uma exposição transdisciplinar sobre as emoções coletivas. São cinco os motivos para o espectador se levante: por elementos (desencadeados), por gestos (intensos), por palavras (exclamadas), por conflitos (abrasados) e por desejos (indestrutíveis). A imaginação ergue montanhas - alguém já disse isso sobre a fé - levantar-se é jogar longe o fardo que pesava sobre os ombros e entravava o movimento, é um sinal de esperança e de resistência, é um gesto e uma emoção, por isso não dá para fazer a revolução sem ir à direção do outro. Não dá para apenas levantar os dedos e digitar, é levantar todo o corpo, na sua inteireza e promover a vida.

O céu está pesado, acima de suas cabeças
mas sei bem que há apenas um céu
cobrindo toda a Terra:
ou seja, estamos em contato imediato
com o destino daquelas pessoas
Elas se caracterizam por uma total falta de ilusão
quanto à sua época e, amo mesmo tempo,
por uma incondicional adesão à ela.
Uma coisa é não se criarem ilusões
na obscuridade ou diante dos fantoches
do espetáculo imposto, outra, porém,
é dobrar-se na inércia mortífera submissão
A indestrutibilidade do desejo é algo
que nos faria, em plena escuridão,
buscar uma luz apesar de tudo
para quem está na floresta a luz de um vaga-lume
é bem vinda, assim como o som para o cego.
Os tempos sombrios só são tão sombrios
porque comprimem nossas pálpebras e ofuscam
o nosso olhar, como fronteiras que se impõem
em nosso corpo e pensamento.
Há formas para o levante, é um gesto sem fim
que precisa de força, sempre haverá
uma criança para pular o muro.

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