26 de agosto de 2013

Seu jeito de amar



Transbordo-me em lágrimas quando penso nesse seu jeito de amar. As pessoas normais não sabem o que é o amor. Tenho medo de ser normal. Tem gente que acha que pode ser feliz sozinho. Eu não. Nunca acreditei nisso. Fomos feitos para estar junto. Em um mundo onde os valores se invertem é estranho dizer que se amará alguém para sempre. Nesse mundo não existe para sempre. Não existe amor. Todos os dias percebo que as palavras não dão conta de representar muitas coisas e o amor é uma delas.

Acordar e ligar para pessoa pelo simples prazer de ouvir sua voz, é estranho. Passar em frente uma loja e imaginá-la calçando aquele mocassim, é estranho. Ouvir "kiss me" e lembrar-se da primeira vez que ela pegou na sua mão e tocou o seu rosto, é estranho. Visitar um apartamento e imaginar todo o seu futuro, ali, com aquela pessoa, é estranho. Tudo parece estranho para quem não ama. É estranho porque quando  uma pessoa acorda ela pode ouvir diversas vozes. É estranho porque ela pode ver muitas pessoas calçando mocassim, uma mais bonita do que a outra. É estranho porque a rádio toca músicas muito mais bonitas que "kiss me" e todo o tempo uns tocam os outros e vice versa. É estranho porque o ideal, hoje, é decorar seu próprio apartamento sem ter que dividir ou ceder algo por alguém.

O mundo não sabe compartilhar, por isso estranha esse seu jeito de amar. Minhas lágrimas decorrem porque dentre tantas pessoas que o habitam, eu posso sentir o amor. Não sinto vontade de estar perto de você simplesmente pelo prazer da sua companhia, mas porque ela me faz falta. Não é só porque o seu sorriso é o mais lindo que eu já vi, não é só porque estar perto de você me torna uma pessoa melhor, não é só... é muito mais. Estranho mesmo é o meu jeito de amar.

Sempre me blindei para ninguém entrar no meu coração. Em contrapartida escolhi você para recortar seu coração e colá-lo pertinho do meu, no desenho que estou fazendo sobre a vida. Para ele já recortei uma casinha, uma igrejinha, uma escolinha e você pode escolher aonde podemos colar cada um desses pontos. Do outro lado eu pintei um campo, com a luz do sol e muito próximo podemos ouvir o som do mar. O nosso desenho ficará perfeito quando as outras partes se colarem. Na nossa mesa não faltará o pão, não faltará risos, nem amigos. Na parte de cima desenhei um risco, com corações pendurados, deles chovem muito amor e quem se aproximar não vai estranhar mais, porque o amor é bom.  E melhor ainda é esse seu jeito de amar.

25 de agosto de 2013

Voz

Gosta de ouvir sua voz. Tem um sotaque de quem só pode vir de cima, mas não sabe bem ao certo de qual lugar. Essa voz tem dificuldade em pronunciar o "nh" do português brasileiro. E a frequência varia por uns tempos entre 50 e 3000 Hz. A plenos pulmões o caminho que o seu ar percorre passa pelas pregas, dentro da laringe e articula-se ao palato, à língua, aos dentes e aos lábios: está para cantar. Seu diafragma sustenta tão plenamente os pulsos sonoros que a melodia segue uma continuidade interrupta apresentando harmoniosamente a surpresa, a felicidade ou mesmo a raiva de quem sente os acordes do outro intrínsecos aos seus. Quando canta a dor seu timbre fica mais grave, mas se canta o amor é como um xote, leve, livre, libido. Ela não canta, não toca, mas pelo tom e a altura de sua voz, reconhece, e vai em sua direção para encontrar. Sua voz trás um bem que padece, um conforto incômodo, um doce amaricante, uma paz instável. As cortinas se abrem. Está tudo em preto e branco, como uma foto. A noite é úmida, mas em comum acordo todos silenciam. Explode o cantar, cantar e cantar. Até o presente momento tudo que foi dito estava na memória. Agora ela olha e com um nó na garganta emudece em sua melancolia, esperando que com a apresentação a chuva leve embora dezembro. Nada passa, apenas alguns minutos, então ela sonha em segredo, com o dia em que, não para magoar, a chamará de Maria Linda. Tudo isso é um grande desacato consigo. Sua voz canta para o lugar, canta para outrem. Ela sai, dentro da madrugada e vê pelos outdoors da cidade sua repercussão. Sabe que nunca será chamada. Nunca será lembrada. Nunca esquecerá sua voz. 



Algum lugar




A verdade é que ela anda à procura de um sentido, e um lugar só o tem quando representa algo. Mesmo conhecendo a história de um lugar, vendo as imagens de um lugar, ouvindo as músicas de um lugar, enquanto ele não representar algo que faça sentido, a vontade de ir ao lugar inexiste. A questão é que nunca se conhece um lugar quando não se é de lá e mesmo quando é, é possível ser estrangeiro na própria morada. Quando se está fora do lugar de origem ou no mesmo lugar, conhece-se pouco, mais o banal e talvez nada do essencial, mas tem aqueles que podem dizer quase tudo. E ela está à procura. De repente conhecer alguém de um outro lugar lhe confere uma representação, consequentemente um sentido. Ver e ouvir do outro as descrições de seu lugar trás ao pensamento a vontade de ir. É mais do que todos sabem, é intimidade. É um som, um sotaque, uma cor de pele e algo a mais que é diferente. Todo lugar tem algo de seu. (Im)palpável. Dentro de si todos têm algo de seu, mas o sentido é desconhecido. E ela ainda está à procura.


Tradução do tempo

para não esquecer que ela está aprendendo algo que nem ela mesmo sabe o que é.


19 de agosto de 2013

Adorno

Tem odor Adorno firmou com a Arte um
drástico acordo de driblar o demônio pelo
dístico idílico. Partiu com dor e o condor o
levou com a divida, a dúvida e a dádiva de mudar.

Ao saber da vida do ditador e da morte
do trovador que, sem pôr adornos, escondia
com ardor os escritos andores do campo
a dor de Tem odor Adorno virou dor doída

Assim a filosofia efervescia, a polícia invadia
e ficou impossível escrever poesia.

7 de agosto de 2013

Amor platônico


 Quase graduado em filosofia, Platão estava a procura do tema ideal para sua dissertação de mestrado. Platão observava as pessoas e o mundo ao seu redor, sentia-se apto para estudar suas relações, julgava-se impenetrável. 
Conheceu Diotima. 
Diotima era professora. A disciplina que ministrava, com frequência, era sobre o AMOR e a pesquisadora era uma referência no tema.
Platão já ouviu diversas teorias sobre o amor, mas ao ouvir Diotima, logo na primeira aula, identificou-se e decidiu o que gostaria de analisar. A cada dia Platão se interessava mais sobre o assunto. Ele ouvia as canções feitas por Diotima, frequentemente passava em frente a sala da professora, olhava mais de uma vez ao dia os emails que trocava com ela sobre dúvidas da matéria e finalmente adicionou-a no facebook. Platão entristecia-se nas demais aulas, pois contava os dias da semana para rever a professora e assistir suas aulas. Ainda que muitos apontassem os defeitos de Diotima, Platão os recusava, desacreditava e todos percebiam que Platão estava decobrindo algo.
Durante as discussões, o filósofo achava absurda a forma como o amor foi concebido. Indignava-se com a corruptibilidade do ser humano, pensava "Como pode o Homem abrir mão de suas virtudes  e da vida transcendental pelo simples prazer? Que prazer é esse?" (mal sabia ele que Freud explicaria isso muitos anos depois), mesmo assim ele permanecia aos pés de Diotima.
Disseram-lhe: "Platão, você está descobrindo uma nova modalidade do amor!" (talvez fosse por isso que a tal professora era uma referência sobre o tema, mas...), ele não deu confiança ao que lhe diziam e contemplava Diotima discursando com os demais filósofos, em conversas mais intimistas no café, rindo, caminhando sob a luz do sol, e quando ela o cumprimentava ele ficava sem jeito. Uma vez Sócrates disse a ele que Diotima dava aulas práticas sobre o amor e não recusava alunos, mas o pobre Platão sentia que a professora nem o notava e dentro de si havia uma imagem perfeita atribuída a Diotima e ele não gostaria de destruí-la. Sofria. O semestre estava acabando e a cada dia sentia-se mais distante de tudo, assim o filósofo mergulhou nos estudos até livrar-se daquilo que estava sentindo.
Por Diotima, Platão conquistou os seguintes títulos: mestrado, doutorado, pós-doutorado e livre docência. Sua ideia reverbera há milênios, tornando-o o famoso filósofo, já consagrado, com a tese do amor platônico.


Amor platônico é, na acepção vulgar, a ligação do amor ideal de Platão, que compreendeu o amor como algo essencialmente puro e desprovido de paixões, sem fundamentos sexuais.

5 de agosto de 2013

Morte

Pôs a mão no peito, não era amor o que sentia, era dor. Essa dor foi de peito em peito e quando todos viram, estava no chão, de olhos fechados, matando cada um.

Destino


Sente a necessidade de ter um lugar só seu. Necessidade de caminhar e não correr o risco de encontrar algum conhecido. Necessidade de tomar um café, observar pessoas, paisagens. Necessidade de olhar pela janela tendo a liberdade de atentar-se para as coisas mais banais, sem ser indagada sobre o que está pensando. Necessidade de olhar um mapa, marcar os pontos mais absurdos, nada turísticos, e percorrê-los, enquanto satisfações não precisam ser dadas. Necessidade de fazer ligações para o outro mundo por afeto e não por obrigação. Necessidade de dormir para sonhar com a possibilidade de mudar a realidade que a aprisiona. Acorda. Nem nos sonhos vive suas necessidades.  

Coração


Caminhou por um tempo e finalmente chegou à rua quatro. Lá era o ponto de encontro. Estava bem vestida para o evento. Uma das mãos segurava o coração, a outra segurava a maçaneta que estava prestes a abrir a porta. Todos a aguardavam, principalmente a vida. Percebeu que insistir era cômodo. Desistir era enfrentar o mundo. Rememorou. Parou e olhou para si. Não se reconheceu. Vivia outra vida. Ainda parada, esperava incerta. De repente abriram-lhe a porta e com o susto estourou o coração. Ganhou um presente e sorria com os olhos marejados. Receberam-na como uma princesa e escolheram tudo por ela, pelo bem do reino.