23 de junho de 2014

anacronismo


está tudo correndo,
tem milhares de pessoas ao meu redor.
passaram um, dois, três dias
passaram-se meses, anos
e está tudo correndo.
estou numa avenida
cheia de carros, cheia de movimento
vivi primaveras, verões
outonos, invernos
e eu estou parada.
conheci gente de todas as idades
e eu ainda estou parada.
o tempo gira, gira e gira,
se as lágrimas caem, param
e não chegam ao chão.
se eu sorrio o som não sai,
estou parada no tempo.
reconheço gerações,
mas não pertenço a nenhuma
alguns viajam, outros habilitados
latinos que orgulham-se de falar inglês
têm um celular cheio de aplicativos
querem o mundo, são vazios de relacionamentos
e eu estou parada no tempo.
quando quero falar, calo,
nenhum assunto me compete
e eu estou parada, parada
no espaço e no tempo.
já andei sob quatro pernas,
sob duas, em breve sob três
vejo tudo mudar
e eu continuo parada.
como se estivesse congelada
inerte, observo cada detalhe,
suas transformações,
enquanto me vêem diferente
sinto-me igual,
porque estou parada.
ouço uma música
e dentro da minha bolsa
tem discos de vinil,
apesar de viver nos anos dois mil.
quando olho o farol,
está tudo em preto e branco.
aceno para pegar carona,
mas o táxi é uma carruagem.
enlouqueço, parada do tempo.

sobre a calvice

eles estão desesperados.
e eu acho engraçado.
por que homens têm medo de ficar careca?
70% das cirurgias plásticas, no Brasil
são feitas por homens que aplicam cabelo.
uns penteiam os poucos fios que restam
para o lado da careca
e têm a cabeleireira como uma artista.
ela leva cerca de uma hora para cortar
os poucos fios que sobram,
mas a verdade é que é vantajoso ser careca!
você não gasta dinheiro com tintura
(na velhice tem uns bregas que pintam
os cabelos brancos), 
os carecas estão livres disso.
carecas não têm piolhos, nem caspas
carecas não têm medo do sol,
podem usar bonés na juventude
e boinas na velhice: gracinha.
carecas poupam água e produtos de higiene
reparem: os lutadores dos filmes
são carecas, fortes e altos,
além de ter super bom humor.
qual a vantagem de ter cabelo 
e deixar como de jogador de futebol?
(e se for brasileiro, então...)
enquanto eles gastam com Finasterida,
elas querem um espelho para se olharem.
não tenham medo de tesoura, carecas!
deixem para elas, porque pior que homem careca
é mulher de peruca.

máscara


gente fingida é irritante.
sonsa, talvez, fosse a melhor palavra
ou hipócrita.
ouço ao telefone a velhinha falar
"não sei de nada, não ouço nada"
falsa que só.
vejo a menina olhar
sorrir, mandar mensagem e dizer
"eu, dar em cima? Jamais, você é ciumenta"
descubro as mentiras
enquanto o outro pensa
ser mais esperto que eu
talvez meu rostinho de tola,
minha complacência
os façam pensar que está tudo bem
"ok", vamos entrar no jogo
e ver a máscara de quem cai primeiro.

13 de junho de 2014

rejeição


primeiro: a bisavó.
índia que encontra um português
casa-se, tem doze filhos,
é rendera e vê o marido
vez ou outra, sabe de histórias
ela não é a única índia.
morre ela, morre ele.

segundo: a avó
mulher branca que se casa
ele é alfaiate, com posses
ela tem duas filhas, passam fome
o marido tem outras mulheres
ela diz que perdoa
permanecem juntos.

terceiro: a mãe
mulher moderna divorciada
traída duas vezes
terceiro casamento. ele é preguiçoso
e ela trabalha muito para o sustento
de todos, enquanto a pelada é boa
diz que a ama, mas ela não é feliz

quarto: a filha
menina estudada e sonhadora
tem um futuro brilhante
quer se casar, ama intensamente
mas carrega consigo
o medo das mulheres da família
rejeição.

coração


um coraçãozinho caminhava pela floresta encantada à procura de outro coração. o dia estava ensolarado e de tanto caminhar e suar, desfaleceu e caiu no sono. ao acordar, a tarde estava enegrecida, relampeava e o coraçãozinho se fechou de tanto medo. a chuva chegou e ele não tinha onde se abrigar. ouvia vozes que diziam para ele desistir, mas ele sabia que era muito triste ficar sozinho, então, com medo das águas e de uma possível enchente, levantou-se, cheio de coragem e partiu. bem lá no fundo, ele se lembrava daquele que lhe disse que o amor era como as quatro estações, havia tempos de flores, de chuva, de sol e sequidão. o coraçãozinho sofria muito e não sabia se todo o sacrifício valia à pena, afinal ele só conhecia o amor de ouvir falar, e no primeiro dia da sua jornada já estava tão desgastado... à noite foi se aproximando e o coraçãozinho foi ferido, não enxergou o enorme galho no meio da escuridão, então aquietou-se na sua solidão. foi quando outro coração se aproximou dele, e ele imaginou "é esse", e ao passar por ele, ao invés de o ajudar, fez o contrário, cravou um espinho bem grandão no peito do coraçãozinho. em lágrimas o coraçãozinho perguntou "por que você fez isso comigo?" e o outro coração respondeu: "para você desistir logo da jornada". de repente a luz da lua brilhou sobre o coração e o coraçãozinho percebeu que a cor desse coração já não era vermelha, era tão negra quanto o petróleo. o coraçãozinho perguntou-lhe "o que aconteceu?" e ele disse "eu encontrei o coração que procurava, mas ele me feriu, eu decidi perdoar, porque era bom, mas ele me feriu novamente, agora dedico-me a impedir que corações bons como você fiquem como eu". o coraçãozinho bem enfraquecido abraçou o coração enegrecido e o abraço foi tão longo, tão cheio de carinho, que aos poucos o coração foi se transformando, e o coraçãozinho foi morrendo. o coração desesperado perguntou "o que você fez?" e o coraçãozinho respondeu "eu te amei desde o momento em que ouvi os seus passos, com você veio a esperança e mesmo que tenha me ferido eu jamais lhe desejaria o mal, nem se eu tivesse todo o amor do mundo (que não conhecia) eu poderia transformar-lhe se no fundo você não fosse bom". o coração chorou com o coraçãozinho nos braços, pensou em tudo que tinha feito, todo esse tempo na floresta encantada. pensou que na verdade era pelo coraçãozinho que ele também procurou a vida toda e quando finalmente o encontrou ele estava morrendo por causa dele. mesmo com toda a lágrima do coração, o coraçãozinho não resistiu e de tanto sofrimento o coração partiu também. ambos vermelhinhos e de mãos dadas. quando outros corações passam porque aquele trecho, cheio de melancolia e tristeza, recordam-se do testemunho de amor do coração e do coraçãozinho.

12 de junho de 2014


escrever sempre foi para mim um refúgio.
um lugar onde eu podia ser e dizer o que quisesse.
tenho a necessidade de acreditar que sou,
a melhor moça e muito amável.
(no sentido de que as pessoas podem me amar),

mas dizem que sou instável
tenho medo de acreditar nisso
porque quando a gente acredita
a coisa se torna real.

no papel estão minhas lágrimas,
minhas dores, poucos risos
(não que a felicidade me falte,
mas quando está presente o tempo é curto)
sou escritora da melancolia.

falo pouco de mim, mais dos outros.
mas sobretudo são as minhas perspectivas.
verdades ou não, não importa.
mais vale as ações que protagonizam
nossos sentimentos, do que palavras.
essas são apenas representativas.
se
você depositar todas
as
suas expectativas
numa
única pessoa
certo é:
frustar-se-á.

Fuga


Quanto mais o tempo passa mais eu me sinto deslocada.
quase todo dia eu gostaria de ter um lugar pra chamar de meu,
eu acordo de manhã e minha família come carne, de cabrito
e eu quero apenas os pães que não têm.
Tenho medo de estar enlouquecendo.
pelos últimos dados a pessoa que eu amo, também,
gostaria que eu fosse outra pessoa.
Hoje tem jogo, mas eu não sou torcedora.
eu quero fugir, mas quanto mais corro, tropeço
e não saio do mesmo lugar.
o reflexo que vejo nesse lago não é o meu,
mesmo que eu esteja de frente para ele.
Preciso mergulhar.