25 de agosto de 2013

Voz

Gosta de ouvir sua voz. Tem um sotaque de quem só pode vir de cima, mas não sabe bem ao certo de qual lugar. Essa voz tem dificuldade em pronunciar o "nh" do português brasileiro. E a frequência varia por uns tempos entre 50 e 3000 Hz. A plenos pulmões o caminho que o seu ar percorre passa pelas pregas, dentro da laringe e articula-se ao palato, à língua, aos dentes e aos lábios: está para cantar. Seu diafragma sustenta tão plenamente os pulsos sonoros que a melodia segue uma continuidade interrupta apresentando harmoniosamente a surpresa, a felicidade ou mesmo a raiva de quem sente os acordes do outro intrínsecos aos seus. Quando canta a dor seu timbre fica mais grave, mas se canta o amor é como um xote, leve, livre, libido. Ela não canta, não toca, mas pelo tom e a altura de sua voz, reconhece, e vai em sua direção para encontrar. Sua voz trás um bem que padece, um conforto incômodo, um doce amaricante, uma paz instável. As cortinas se abrem. Está tudo em preto e branco, como uma foto. A noite é úmida, mas em comum acordo todos silenciam. Explode o cantar, cantar e cantar. Até o presente momento tudo que foi dito estava na memória. Agora ela olha e com um nó na garganta emudece em sua melancolia, esperando que com a apresentação a chuva leve embora dezembro. Nada passa, apenas alguns minutos, então ela sonha em segredo, com o dia em que, não para magoar, a chamará de Maria Linda. Tudo isso é um grande desacato consigo. Sua voz canta para o lugar, canta para outrem. Ela sai, dentro da madrugada e vê pelos outdoors da cidade sua repercussão. Sabe que nunca será chamada. Nunca será lembrada. Nunca esquecerá sua voz. 



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