Gosta de ouvir sua voz. Tem um sotaque de quem só pode vir de cima, mas não sabe bem ao certo de qual lugar. Essa voz tem dificuldade em pronunciar o "nh" do português brasileiro. E a frequência varia por uns tempos entre 50 e 3000 Hz. A plenos pulmões o caminho que o seu ar percorre passa pelas pregas, dentro da laringe e articula-se ao palato, à língua, aos dentes e aos lábios: está para cantar. Seu diafragma sustenta tão plenamente os pulsos sonoros que a melodia segue uma continuidade interrupta apresentando harmoniosamente a surpresa, a felicidade ou mesmo a raiva de quem sente os acordes do outro intrínsecos aos seus. Quando canta a dor seu timbre fica mais grave, mas se canta o amor é como um xote, leve, livre, libido. Ela não canta, não toca, mas pelo tom e a altura de sua voz, reconhece, e vai em sua direção para encontrar. Sua voz trás um bem que padece, um conforto incômodo, um doce amaricante, uma paz instável. As cortinas se abrem. Está tudo em preto e branco, como uma foto. A noite é úmida, mas em comum acordo todos silenciam. Explode o cantar, cantar e cantar. Até o presente momento tudo que foi dito estava na memória. Agora ela olha e com um nó na garganta emudece em sua melancolia, esperando que com a apresentação a chuva leve embora dezembro. Nada passa, apenas alguns minutos, então ela sonha em segredo, com o dia em que, não para magoar, a chamará de Maria Linda. Tudo isso é um grande desacato consigo. Sua voz canta para o lugar, canta para outrem. Ela sai, dentro da madrugada e vê pelos outdoors da cidade sua repercussão. Sabe que nunca será chamada. Nunca será lembrada. Nunca esquecerá sua voz.
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