12 de setembro de 2016

Laranjeiras


a primeira vez que fui ao bairro das laranjeiras, procurei laranjeiras. estranho seria se o bairro das laranjeiras não tivesse laranjeiras. eu nunca tinha ido ao rj. me diziam "você vai só? é perigoso". mas eu não tinha medo. por algum motivo eu sabia que ia me sentir em casa. não sou de fotografia, mas tirei tantas fotos. até intitulei o álbum como "um lugar para chamar de meu". fui apresentar-me num congresso, fui ao liceu literário português. fui falar de poesia. na minha mesa, a moça que se apresentou antes de mim chorou lendo o texto. ouvia murmurinhos negativos sobre ela. estranho seria se ela não chorasse. ela leu "carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de goya", meu poema favorito no mundo. eu não me atrevo a ler esse poema em público. 
da posição onde eu estava, avistava laranjeiras pela janela e eu comecei a sorrir, só depois me dei conta de que fiz isso enquanto a moça chorava. laranja é minha fruta favorita no mundo. apesar de não ter experimentado todas as frutas do mundo, nem ter lido todos os poemas do mundo.
depois da apresentação, a professora que mediava a mesa me chamou para ir ao clube fluminense. eu estava com uma camisa de pássaros, uma calça preta e um oxford. meu cabelo era cumprido e ela colocou uma flor de laranjeira nele, dizendo que eu era um pupilo.
eu me senti como uma iracema branca e vestida. fazia um calor. eu tinha medo de falar besteira. só sorria e ficava em silêncio. do lugar onde sentei, via laranjeiras. isso me deixava satisfeita.

a segunda vez que fui ao rj quis turistar e fui ao corcovado. o corcovado fica no bairro das laranjeiras. eu peguei um elevador gigante, com muito mais de doze andares e vi boa parte do estado. vi até laranjeiras. eu já tinha cabelo curto. estava de all star, jeans e camiseta branca. meu sotaque dizia "paulistana" e os cariocas riam das minhas gírias "meu", "mano", "véi". gosto dos meus reencontros com o rj.  eu caminhava pela cidade e passei por uma rua chamada "luis de camões" e ela estava cheia de bandeirinhas e eu me senti em casa. depois fui tomar café na colombo. colombo foi um rapazinho que dizem que descobriu a américa. eu gosto do ar provençal que a colombo tem.

a terceira vez que fui ao rj apresentei-me em outro congresso. ufrj. conheci a mari. hoje, minha amiga amazonense carioca que mora em sp. fui falar da adília. adília é uma poeta pop. ela fala da mariana, mas não a mari minha amiga. a mari alcoforado. ela fala de um grande amor. a mariana amava demais. mas quem nunca teve um grande amor? só os ridículos que o álvaro de campos desdenha. a mariana amava o marquês de chamilly. a mariana era pura. e chamilly a despurificou. e ela gostou. a madre disse à ela "vá embora" e ela nem sentiu falta do convento. só sentia falta de chamilly. chamilly era tipo pássaro. não conseguia viver no mesmo lugar por muito tempo. chamilly tocava mariana e só com um afago na pele ela já se arrepiava porque o toque dele era macio e provocante. o beijo era a última das carícias que a ouriçavam. o processo, desde a boa conversa, risos, vinho e livros até tornarem-se um, formavam os momentos que mariana jamais esqueceria. mariana amava cada coisinha que descobria com chamilly. ele tinha o hábito de presenteá-la com flor de laranjeira. eles se lambuzavam chupando laranjas. se beijando, se... com chamilly mariana descobria o mundo. compunha músicas, assistia filmes. ela via nele um homem justo. um homem bom. um soldado francês que lutava pela liberdade. um dia eles combinaram de fugir. ela poderia ser feliz fora do convento. mas quando chegou ao pé da laranjeira viu apenas um bilhete "o que o seu amor me ensinou estará sempre comigo". mariana passou o resto da vida lamentando a ausência de chamilly e não a transformação que ele causou em sua vida. contei tudo isso para dizer que o que disse no congresso é que a adília é amargurada e puritana, nunca viveu um grande amor. essa é a diferença entre a poesia de adília e mariana.

a quarta vez que fui ao rj, não fui a um congresso. fui ao morro. que morro! lá as pessoas são como laranjas. casca grossa, mas doce. lá vi injustiça, mas vi alegria. lá tem laranjas, muitos laranjas. eles sabem que são laranjas, outros querem ser laranjas. laranja é gíria em sp e no rj, todo mundo entende. as mães querem os filhos longe dos laranjas. elas gostariam que os filhos plantassem laranjeiras. imagina se os filhos ao invés de drogas distribuíssem flor de laranjeira? o morro ia ficar laranja e estaria constantemente amanhecendo.


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