7 de setembro de 2016

10 de setembro

Em 2014, o Centro de Valorização da Vida (CVV) junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) iniciaram um projeto cujo nome é "Setembro Amarelo". A princípio suas atividades de concentraram na região de Brasília, mas em 2015, recebendo o apoio da Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (IASP) o "Setembro Amarelo" tornou-se mundialmente conhecido.
O projeto visa, principalmente, envolver voluntários que se disponibilizem a encorajar pessoas com pensamentos suicidas a conversar e compartilhar suas dores. O voluntário escuta e, se necessário, fala, pois ouvir atentamente, com interesse, cuidado e carinho pode dispensar palavras.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente nove, a cada dez casos de suicídio podem ser evitados se as pessoas que se suicidam sentirem que têm pessoas confiáveis para conversar, mesmo assim, o suicídio é a quarta causa de morte em todo o mundo. As pesquisas que o CVV desenvolve, desde 1962, afirmam que as causas do suicídio giram em torno de temas que ainda são tabus para sociedade, como: homossexualidade, doenças sexualmente transmissíveis, depressão, entre outros; também afirmam que situações que aparentemente não têm solução, como: solidão, desemprego, fim de relacionamento, baixa auto-estima, são motivos frequentes que levam a pessoa a suicidar-se.
No Brasil, todos os dias, cerca de 32 pessoas decidem tirar a própria vida - quando é perceptível, pelos motivos elencados acima, que essa decisão poderia ser evitada com conversas inteiras, profundas e confiáveis -, o país está em 8º lugar no ranking mundial que avalia onde ocorrem mais suicídios. Em São Paulo, em regiões consideradas mais ricas, o índice de suicídio é de 6,3, e em regiões mais periféricas é de 3,3, ambas para cada 100 mil habitantes.
Este ano, além de atender ligações 24h por dia, fazer caminhadas, iluminar monumentos públicos em amarelo e distribuir panfletos por todo o país, o CVV - em parceria com a agência Pose - está incentivando aqueles que participam de redes sociais a disponibilizar seu perfil, e-mail, telefone e afins para boas conversas. Essa campanha é durante todo o mês, mas não só.
Certamente quem já viu a campanha pode ter pensado "mas como vou dar conta de ouvir algo assim se alguém me procurar?" a questão é que não é necessário dar conta. Freud desenvolveu várias teorias, uma delas é "a cura pela fala", para o pai da psicanálise a partir da fala o indivíduo faz associações livres, transferências, e ele mesmo reflete sobre sua própria condição, com pequenas pontuações de quem ouve; para Freud em "o mal estar da civilização" é a própria civilização que gera os principais tabus que alguns indivíduos sofrem. Mais uma, das muitas contribuições que Freud trouxe para ciência moderna é que o corpo fala "Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se convence que os mortais não podem ocultar nenhum segredo. Aquele que não fala com os lábios, fala com as pontas dos dedos: nós nos traímos por todos os poros.", ou seja, mesmo que ninguém procure você por telefone, e-mail ou perfil, ainda sim você pode ajudar. Observar.
Há quem não compreenda a dimensão de tudo isso, talvez me enquadre nisso, mas minha oração é que toda atitude que vá em prol dos doentes, pobres, órfãos, viúvos, suicidas, reverbere.
Hesitei em colocar a palavra oração nesse texto porque ela é frequentemente usada em discursos religiosos, mas ela coube bem para o último tópico que quero pontuar. É lamentável ouvir, principalmente em discursos religiosos, que suicidas irão para o inferno ou que suicidas estão endemoniados. Eu nunca li na Bíblia nada a respeito disso (quem tiver referências que digam isso, por favor me passem, sem ironia), já ouvi - como justificativa dessa interpretação - que quem se suicida vai para o inferno porque perdeu toda sua fé em Deus, mas me custa interpretar dessa maneira porque penso que, talvez, quem se suicida perdeu totalmente sua fé em si e no outro, não em Deus - mesmo porque a Bíblia é muito clara ao dizer que nada na criação pode nos separar do amor de Deus (Rm 8:38-39).
A Bíblia relata seis suicídios ao longo de sua narrativa, o primeiro é o de Abimeleque (Jz 9:54), Saul e seu escudeiro (I Samuel 31:4), Aitofel (2 Sm 17:23), Zinri (I Re 16:18) e Judas (Mt 27:5). Em nenhum desses textos está escrito que eles morreram e foram para o inferno, pois bem, não comentarei todos, apenas o de Saul e o de Judas, porque ambos são conhecidos. O primeiro foi um rei, escolhido por Deus para guiar a nação de Israel. O segundo um dos discípulos de Jesus.
Israel foi uma nação que durante muito tempo foi orientada por Deus através de juízes e Samuel foi o último deles, Samuel consagrou Saul e durante muito tempo ambos foram amigos e construíram uma caminhada de respeito um com o outro e confiança em Deus. Nessa época Israel enfrentava muitos inimigos, como os amonitas, os amalequitas e os filisteus. Saul era um rei forte e honrado e mesmo quando Davi matou o gigante Golias, ainda sim Saul era visto como um grande rei e Davi um grande guerreiro. Ninguém imaginava que Davi seria rei no futuro. Um dia Samuel teve que ausentar-se de Israel por um tempo e pediu que Saul o esperasse para apresentar sacrifício a Deus, pois ele era juiz e sacerdote, dada a demora de Samuel, Saul decidiu ele mesmo fazer o sacrifício e com isso o reino desandou. Saul não entendera a sacralidade do sacrifício, pois ele tinha sangue nas mãos, e quando Samuel chegou e viu o que aconteceu, disse que Deus traria um outro rei para Israel. Sentido-se injustiçado, Saul afastou-se de todos e posteriormente quando soube que Davi seria o rei que o substituiria deixou o ódio entrar no seu coração. A história é longa. No fim, depois de muitas peripécias, Saul lutava junto com seus filhos contra os filisteus e viu todos eles morrerem na mão dos inimigos. Desolado ele pede para seu escudeiro o matar, mas o escudeiro não obedece, então ele se mata e depois o escudeiro se mata também. A chave dessa história é que a Bíblia narra passo a passo, Saul se isolou, depois de ser destituído rei. Mical, uma das filhas de Saul casou-se com Davi, Jônatas, também filho de Saul, era o melhor amigo de Davi. As concubinas ficavam comparando Saul e Davi e por isso o coração dele se encheu de ódio. Por fim, viu todos os que ele amava morrer. Saul sentiu-se incapaz de governar Israel, incapaz de proteger os seus, abandonado pelo amigo Samuel e se viu sozinho, por isso se matou.
Comenta-se muito sobre o suicídio de Judas, mas pouco se fala sobre o abandono dos discípulos. Sim, Judas traiu Jesus com um beijo, mas ainda sim Jesus o amava, entretanto os discípulos sentiram-se no direito de julgar Judas e condena-lo sendo que a cruz era para remissão dos pecados de todos, inclusive dos discípulos que se sentiram bons o bastante para não oferecer nenhum acolhimento a Judas. Judas arrependeu-se amargamente e ele procurou pessoas. Ele tentou reparar seu erro, foi até os sacerdotes devolveu as moedas, mas eles não aceitaram. Judas se viu só. Só. Só. Afastou-se de todos, encontrou uma figueira e ali se enforcou. Nessa história fica mais evidente ainda que suicídio não tem nada a ver com perder a fé no amor de Deus, porque justamente devido a consciência do amor de Deus por ele é que Judas se arrependeu amargamente da traição e decidiu por fim a vida. Judas deixou de acreditar em si e em sua regeneração.
Quem decide se suicidar, decide se suicidar por sentir-se só, mesmo em meio uma multidão. Quem fala demais, alto demais, o tempo todo, não consegue perceber quem, ao seu redor, clama por fé em si e na vida.

ps.: 10 de setembro é o dia internacional de prevenção ao suicídio, por isso o título é 10 de setembro. Outra informação importante, o amarelo é uma cor que representa alegria, calor iluminação por isso é "Setembro amarelo".

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