31 de outubro de 2018

UGAY


UGAY foi o nome da minha primeira igreja. Sim, a primeira igreja que eu fundei, quero dizer criei,  tinha esse nome. Era uma sigla "Igreja União, Glória, Amor, Young". Deixe-me me explicar, você já leu o conto de fadas dinamarquês, cujo título é "A roupa nova do rei", de Hans Christian Andersen? Pois bem, quando eu estava na quinta série do ensino fundamental tinha 11 anos, a professora de língua portuguesa dividiu a turma em seis grupos e cada um escolheu um conto para ler. Evidentemente o meu grupo escolheu o conto acima. A proposta era envolver todos os alunos da escola em um festival de teatro - acredito que essa foi minha primeira experiência com o teatro.
Todas as turmas da escola, do quinto ao oitavo ano, foram divididos em grupos, todos eles leram diferentes contos e tinham a missão de fazer uma releitura, ou seja, contar a mesma história ou moral, por outra perspectiva. Todas as séries eram divididas em A, B, C, D e E, logo, 5 (turmas) x 6 (grupos em cada) x 4 (séries) =  120 grupos participaram do festival de teatro. Escolheram o melhor grupo de cada turma, depois o melhor grupo de cada série e depois o melhor grupo da escola.
Não me lembro exatamente as outras histórias, apenas a história que escrevi, pois não atuei. "A roupa nova do rei" resumidamente conta a história de um rei que se considerava muito esperto, mas foi enganado por um viajante que lhe vendera uma suposta roupa invisível; todos viam o rei nu, ele mesmo se via dessa maneira, porém, não assumia a ninguém, pois dessa maneira teria que admitir que fora enganado. 
Na minha releitura, a história não se passava num reino, mas numa igreja. Lembro-me que tive a preocupação de não ferir ninguém - quero dizer, achei importante dar à igreja um nome que não existia porque não queria que as pessoas que frequentavam um igreja se ofendesse com a história. Olhando agora, eu era uma criança bem sensível, me orgulho por pensar no outro, além do que UGAY trouxe um humor a mais à peça. Substitui o rei pela figura do pastor e o que todos viam, inclusive ele, mas tinha vergonha de admitir, é que ele era gay. A fachada de sua igreja era cor de rosa, ele usava roupas bem extravagantes quando pregava e todas as vezes que ele ia se arrumar sua filha dizia "não me faz passar vergonha" e começava a tocar a música "Perigosa", das Frenéticas.
A peça que eu escrevi ganhou o festival de teatro. Ela jamais teria vencido sem a brilhante atuação dos meus colegas: o pastor, a filha do pastor, a irmãzinha bem crente que desconfiava dele, a igreja que dava glória e aleluia e a pessoa que ajudou o pastor a ser quem era de verdade. Lembro-me que meu professor de história estudava teatro e disse que queria comprar minha peça, mas minha tia disse que eu seria uma grande escritora e não era para vender, no fim eu não sou uma grande escritora, perdi o texto da peça e fiquei sem dinheiro. Mas tenho a memória. Meu professor de Educação Física, era jurado, votou contra a minha peça porque se sentiu ofendido, mas a escola inteira aplaudiu de pé, gritando UGAY, UGAY, UGAY e, hoje, quando vi a imagem dessa igreja, quis compartilhar essa história com vocês.


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