31 de outubro de 2018

onde foi que nos perdemos?

Estamos em outubro de 2018, Jair Messias Bolsonaro foi democraticamente eleito presidente do Brasil há três dias. Em três dias foi confirmada a fusão do ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura, uma deputada estadual eleita neste ano em Santa Catarina propôs que alunos vigiassem seus professores, e uma página foi criada em uma rede social reunindo publicações de eleitores que já se arrependeram de votar em Bolsonaro. A questão aqui não tem a ver com o Bolsonaro, tem a ver com arrogância. A arrogância de quem se coloca no lugar de quem pode resolver todos os problemas, a arrogância de quem acredita que sabe mais que todos os outros e por isso julga o arrependimento do outro com a famosa frase "eu te avisei" a ponto de criar uma página para expor a dor do outro; isso é agir da mesma maneira de quem há três dias atrás era condenado - se com ou sem razão não importa.
Essa situação me lembrou de dois receios que tenho: ser falsa ou arrogante, minha história faz eu detestar veemente essas duas características em qualquer pessoa, porque em ambas é difícil construir um diálogo ou troca genuína.
Há poucos dias uma tia-avó faleceu. Durante a minha infância eu passava dias na casa dela, brincava com seus netos - que no caso, são meus primos - e tínhamos um relacionamento muito bom, o qual tenho muita alegria em relembrar. Porém, o dia da morte dessa tia-avó foi triste, não pela morte dela em si, ela já sofria muito com o câncer; doeu ver a dor dos outros, por mais que o dia seguinte seja mais forte que a forte. Doeu mais ainda olhar para dentro de mim, ainda que tenha consultado pessoas de confiança e todas elas tenham me dito que era paranoia minha, prefiro considerar como alerta. Observava meus primos e me perguntava "onde eu me perdi deles?", tivemos conversas boas, daquelas que têm importância por estar junto, mas que ao mesmo tempo não têm a menos relevância. Dias atrás eu estive com amigos que convivi durante dez anos e a mesma pergunta "onde foi que nos perdemos?". Por outro lado, parecia que só eu tinha me perdido. Vê-los conversar, tanto meus primos como meus amigos, eles pareciam ter tudo em comum, o outsider era eu. Agora pensei que eles não sabem o que é um outsider e me senti arrogante. Temi que os caminhos que escolhi tenha me tornado arrogante. Temi achar que tenho mais conhecimento e temi que isso tenha nos separado. Inclusive, temi as escolhas que fiz, mesmo não me arrependendo de nenhuma delas, pois eu ainda não tenho filhos e meus primos têm, eu estudo loucamente e meus primos não concluíram a graduação, nós não compartilhamos os mesmos territórios, não nos vestimos de um jeito semelhante, etc, etc. Nada em comum a não ser a memória. Conversar com eles trouxe saudade, mas não o bastante para retomar contato, pois nossas diferenças são maiores. Ver vez ou outra é bom, ver todo dia choca.
Iniciei falando do Bolsonaro porque a eleição vez reviver gente que há muito eu não me relacionava, mas decidiu comentar minhas poucas publicações sobre o assunto. Gente que eu passei a adolescência lado a lado e me ensinou demais, mas, mais uma vez, algo aconteceu e eu me perguntei "onde nos perdemos?" como temos opiniões, gostos, crenças que pareciam tão próximas, mas mostram ser tão diferentes? E nisso tudo, por que nós e os outros cremos que o que pensamos e somos é mais ou melhor que o outro que é diferente? Não podemos desconsiderar a história do outro, nem colocá-lo em caixinhas que nós criamos e se ele quiser sair dessa caixinha "eu te avisei" é a exatamente o que não pode ser dito.
Só por hoje e todo hoje: não ser falsa e arrogante.

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