1 de julho de 2019

em construção

um menino de dezenove anos morre. deixa uma mãe e dois irmãos mais novos. restam muitos amigos. cada um, velando o corpo, presta seu testemunho descrevendo como foi conviver com esse menino. esse menino tem meu sobrenome, na prática não sei o que isso significa. o que um sobrenome carrega?
ouvi que durante o ensino médio ele não tinha celular e estava sempre com a mesma blusa vermelha. a questão não é o celular em si - é possível que a qualidade de vida e relacionamentos dele tenham sido muito melhores sem esse objeto - o problema é: onde estava a parentela para dar suporte às necessidades sócio-econômicas pelas quais esse menino passou? um celular. uma blusa não são tão caros assim.
diante da inconformidade da injustiça, os amigos o ajudavam com os trabalhos que dependiam de internet. ao ouvir seus depoimentos e conhecer esse menino, meu parente - depois de morto - a palavra 'família' pulsava insistentemente me mostrando que a definição que tinha era muito equivocada.
enquanto internamente eu era o caos em silêncio, uma criança me disse 'família é onde cabe todas, todas, todas as pessoas, né?'. eu chorei em paz porque mesmo com a ausência da 'família', a Família desse menino era presente.
"era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada..." foi nessa casa que esse menino viveu. ao abraçar sua mãe ela me disse 'por que meu filho morreu agora, quando finalmente ele teria um lar?' "mas era feita com muito esmero, na rua dos bobos número zero".
não é justo um menino de dezenove anos morrer. 'não é justo para quem? para ele ou para quem ficou?' não é justo que em vida a dignidade lhe tenha sido negada. ainda bem que, em alguma medida, a felicidade não depende da justiça.

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