10 de outubro de 2018

Bolsonaro e Barrabás

Barrabás (do aramaico: Bar Abbas “filho do Pai”), se fizermos uma leitura literária do texto bíblico de Mt 27, é um personagem que é liberto no momento em que o povo decide crucificar Jesus. A crucificação de Jesus é emblemática por muitos motivos e um deles é que o texto deixa claro no versículo 24 que Pilatos – governador da província romana da Judeia – diz “ao perceber que não estava obtendo nenhum resultado, mas, pelo contrário, estava se iniciando um tumulto, mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão e disse: "Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês". Se fôssemos trabalhar a partir de uma analogia desse texto com os dias atuais eu destacaria quatro personagens: Pilatos/TSF, Jesus (qualquer candidato que se oponha ao Bolsonaro), Bolsonaro (Barrabás) e povo, que neste caso continua sendo o povo. Calma, leia o texto até o fim, antes de comentar me criticando.
Pois bem, o nome de Barrabás já me chama atenção, pois ele era filho do Pai. Ironia do destino ou não, Jair, antes de ser Bolsonaro é Messias. Pergunto: por que o Pai não salvaria Barrabás, já que ele era seu filho? Primeiro, a profecia de Jeremias e Isaías tinha que se cumprir para o plano da salvação; segundo, não foi Deus quem salvou Barrabás, mas o povo. Quando eu era criança, me perguntava se Barrabás não se sentia nem um pouco culpado por ser liberto em troca de um inocente. De quais crimes Jesus seria acusado hoje? Perturbação da ordem pública? Ludibriação? Seja lá quais fossem, evidentemente esse meu texto se destina a você que é cristão. Com certeza, você já pensou: como pode o povo ter escolhido Barrabás no lugar de Jesus? E Pilatos, que governador é esse que deixa o povo livrar um criminoso?
Nessa história, eu já tentei me colocar no lugar de todos os personagens – não que eu tenha obtido algum sucesso –. Como povo, eu acho totalmente compreensível eles escolherem Barrabás (julguem-me!); eles esperavam um rei um tanto quanto autoritário, que os libertaria do julgo pesado de Roma. O “messias” seria alguém que viria para destruir tudo e mudar a realidade dos israelitas, colocando-os no lugar de origem de “povo escolhido”, no entanto, veio um homem que curou muita gente, fez um milagre ali e aqui, mas no final das contas, era mais "frágil" que uma "mulher".
Quando Judas “traiu” Jesus, eu tenho quase certeza que ele achava que fazendo isso estava dando o famoso “jeitinho brasileiro”, entregava o salvador, acelerava o processo, e de repente Ele sairia destruindo tudo sem precisar matar ninguém. O terror, o furor e o poder Dele ia pôr todo mundo para correr, só que não. A mensagem de Jesus era o serviço. Um Rei que abdicou de um trono divino para viver como humano, padecer, trabalhar, SERVIR e depois morrer da pior maneira possível. O povo escolher Barrabás no lugar de Jesus nada mais é do que democracia. Eu também entendo o povo ou pelo menos parte dele, porque nem todos tinham acesso à lei, porém a maioria sofria com fome, escravidão, violência, então é natural que eles não esperassem um Deus que servisse. Por isso eu não vejo mudanças entre o povo na época de Jesus e o povo agora, no nosso contexto brasileiro.
Aqui, tem gente que passa fome, tem gente que sofre violência, é escravo e não tem acesso à lei. Também tem aqueles que, assim como na época de Jesus, tinham seus negócios ameaçados pela presença de Jesus (lembra quando Ele expulsou os demônios dos porcos e eles saltaram do precipício? Imagina o fazendeiro sem nenhum porco? Perda de dinheiro). Muitos negociadores desprezavam Jesus e compravam o perdão de seus pecados – você vê alguma semelhança com os neopentecostais e a bancada evangélica?
Lá no início chamei atenção para o significado do nome de Barrabás para dizer que eu acredito que Jesus ama o Bolsonaro e que o Bolsonaro é filho de Deus. EU jamais desejaria algum mal para o Bolsonaro, que fique claro, mas assim como não desejo o mal dele, não desejo o de ninguém – contudo, percebo que muitos (mais uma vez, disse “muitos” e “muitos” é diferente de “todos”) de seus seguidores, pelo pathos que ele representa, desejam a anulação de práticas homoafetivas, consideram que há raças e gêneros soberanos aos outros, e pregam uma mudança radical que desconsidera as particularidades de cada pessoa e por isso age com agressividade. Sei que há aqueles que votam no Bolsonaro simplesmente pela melhora econômica e neste caso você perdeu a oportunidade de votar em outros candidatos que também trariam uma melhoria econômica e consequentemente menos polarização.
Jesus foi acusado pelos chefes dos sacerdotes e pelos líderes religiosos e eu percebo que são essas figuras que apoiam Bolsonaro. Ao comparar Bolsonaro com Barrabás eu estou longe de dizer que ele é um bandido, afinal a Bíblia só diz que Barrabás era “um prisioneiro muito conhecido” e que "Barrabás havia sido lançado na prisão por causa de uma insurreição na cidade e por assassinato. (v. 20)" ; juridicamente não consta que Bolsonaro tenha cometido algum crime, portanto minha analogia diz mais respeito ao cenário da crucificação, o discurso de Jesus e o sentimento do povo do que propriamente às semelhanças de Barrabás com Bolsonaro, todavia é claro o posicionamento do candidato a favor da morte de um grupo específicos de pessoas.
Nunca na vida eu diria, dada a configuração do nosso segundo turno para presidenciáveis, que Fernando Haddad seria Jesus. Essa comparação tem a ver com polarização. As pessoas se sentem tão violadas a ponto de colocar no poder alguém que homenageia coronéis da ditadura, quer liberar o porte de arma – sendo que Jesus repreendeu Pedro por cortar “apenas” a orelha de um soldado – e propaga um discurso muito diferente do que eu entendo que seja a mensagem de Jesus. No mesmo texto, em Mt 27:18 Pilatos sabe que os sacerdotes entregaram Jesus por inveja, e aqui com convicção eu acredito que há uma inveja coletiva sobre a influência que o ex-presidente Lula exerce sobre a população brasileira. Por isso eu digo que Pilatos é semelhante ao TSF, Bolsonaro já deu inúmeras declarações que ferem os princípios da nossa constituição, “mas tudo bem, ele tem livre direito de expressão”, inúmeras pessoas já foram entrevistadas na cadeia – vulgo Eduardo Cunha, Palocci, etc – mas Lula não pode. Eu tinha muitas dúvidas jurídicas sobre a prisão de Lula e todos os advogados que conversei disseram que há certas acusações que ele sofre que são arbitrárias. NÃO ESTOU defendendo o Lula, estou apenas querendo mostrar como há dois pesos e duas medidas no Brasil e assim como Pilatos o TSF lava as mãos.
Eu não gostaria que Fernando Haddad estivesse no segundo turno. Aliás eu não gostaria que candidato nenhum, seja lá para qual cargo fosse, pudesse se reeleger; mas me assusta as pessoas, principalmente de São Paulo, criticar que o Nordeste vote no PT, mas votam no Tiririca, por exemplo. Também me assusta como cristãos se incomodam com gays, lésbicas, etc, sendo que em nada eles atrapalham a saúde, a economia e a segurança do país – mesmo que a Bíblia diga que isso ou aquilo é pecado estamos tratando do campo semântico religião, logo, quando falamos em sociedade o que seria pecado não pode ser criminalizado, porque o campo semântico e pragmático muda.
Dentre os outros muitos pontos que me deixam apreensiva para o segundo turno, é as pessoas desconsiderarem completamente a quantidade de votos que o PT ainda recebe. Explico-me. Ouço gente dizer que o Nordeste é burro, um bando de gente que deita nas costas do bolsa família, sem nem ao menos pensar que tem gente que realmente necessita, SÓ TEM ISSO e pode não ter mais. As pessoas querem se livrar de sangue inocente e querem armas para matar quem os aflige, sem cogitar que isso – além de multiplicar mais ainda a violência – torna o amor de Jesus seletivo, quando na verdade Ele morreu por TODOS. Para finalizar, ainda em Mt 27:20 o texto diz que “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos convenceram a multidão a que pedisse Barrabás e mandasse executar a Jesus” me parece que o povo lá no fundo não queria que Jesus fosse crucificado, mas por influência deixou-se levar. Nesse sentido, meu pedido é que você cristão pense em tudo isso e vá votar novamente com consciência. São por esses motivos que acho que ao votar no Bolsonaro, as pessoas estão libertando Barrabás e crucificando Jesus mais uma vez e com Ele seus ensinamentos.

29 de julho de 2018

atrasos

esse poema é para todas as pessoas que já tiveram a sensação
de encontrar o amor da sua vida e deixou passar
ou àqueles que pensavam ter a vida sob controle até encontrar alguém...


o que pode impedir duas pessoas de se encontrar?
as variáveis são inúmeras.
se são desconhecidos, não marcaram.
se se conhecem falta comunicação.
há pessoas que são adiantadas na vida
nascem prematuras
casam-se cedo
têm filhos e morrem cedo.
mas há pessoas que são atrasadas
deixam a mãe preocupada porque tardam a nascer
não se casam porque não perceberam
o par no encontro
anseiam a morte que nunca chega.

o encontro se dá no espaço-tempo
se a. iria a tal lugar e encontraria g. por acaso
mas choveu, ele desiste e o encontro não acontece,
ela, fica a espera do desconhecido.
cronos é cruel não espera o outro ficar pronto e
kairós é mais cruel ainda porque proporciona
o encontro de pessoas que teriam tudo a ver
mas estão em tempos diferentes na vida.
os dois amigos dão as mãos e riem dos humanos,
brincam com suas memórias e os fazem sofrer.

g. vai todos os dias ao mesmo lugar, sem saber
que é para encontrar a.; no dia que ela não apareceu
ele foi e encontrou b. e começaram a conversar.
a. não faz ideia de que encontrar g. mudaria tudo.
eles se atrasaram, mas quando finalmente se encontraram
as palavras não faziam sentido.
os olhares não faziam sentido, tudo passou tão depressa.
ficaram presos no que poderia ter acontecido.
a. permaneceu só e g. se casou com r.

28 de julho de 2018

interesse

primeiro você se lembra de mim
depois pede que eu vá visita-lo
ao nos encontrarmos você sorri,
então eu escrevo.
você não respondi
trocamos "oi, tudo bem? bom dia"
e no último dia me ignora.
como mulher eu penso:
o que fiz de errado?
apenas não era para ser.

guizos e afins

a resistência é como um amuleto de proteção para vida
isso é uma imagem.
inicio definindo quando definir me incomoda.
se você digitar "resistência" no google imagens
você naturalmente imaginará:
um punho cerrado e erguido em posição frontal,
mas, antes de entrar nas imagens,
você imagina que o google vai propor essas tags
para associar: luta, esquerda, popular, revolução...
quando o que aparece é lorenzetti, fórmula, 220v...
o capital compõem o imaginário social e eu
pressupus seu lugar de fala ao dizer o que imaginaria.
volte ao google imagens e digite "resistência"
você já sabe o que vai surgir: um teste de resistores
isso mesmo, o livro da marília.
marília é poeta antes de ser mulher. mulher e poesia
resistem. angélica resiste e mete o punho no útero
mas essa imagem o google não mostra.
sai do google e vai ao dicionário
1. sf defesa contra o ataque
2. força por meio da qual um corpo reage a outro corpo
3. oposição
4. dificuldade imposta aos condutores na passagem de corrente
agora imagine um guizo e ouça seu sútil som
(um guizo não vai aparecer no google se você digitar
"resistência", nem se você insistir nas inúmeras páginas)
imagine muitos guizos juntos e ouça a potência de seu som.
um único guizo incomoda.
mas se você imaginar um tijolo em queda ao bater no chão
seria possível ouvir o som dos guizos juntos?
uma voz ecoa, mas a voz de uma multidão
permanece na memória e da-se a força do encontro.
se você imagina um tijolo em queda ele se despedaça,
é o que a resistência faz com o poder, ainda que haja som.
seu imaginário transforma o tijolo em moradia
depois em ocupação e assim as imagens se desdobram.
para concluir, imagine um corpo
ele é preto, feminino e gordo?
acho que seu imaginário revela muito sobre você.
nesse encontro o som dos guizos permanecem.


27 de maio de 2018

fama

as pessoas estão doentes
tenho medo de ficar doente.
há um tempo eu estava com todos os sintomas:
ler pouco
perder tempo
ver quem segue quem
verificar quem curtiu o que publiquei
falar muito na 1ª pessoa do singular
declarar amor em todos os comentários e
seguir famosos!

ao dar-me conta disso
comecei o tratamento,
poderia ficar pior,
se chegasse ao ponto de curtir o que não curto,
ter um ponto de vista sobre tudo e achar que é certo
se entristecer ao perder seguidor
viver da vida alheia
ou fingir ser quem não sou
era caso de internação!
o tratamento foi semi-intensivo:
cortei uma rede - a fonte transmissora.

uma vez c. me disse que existe
a curtida motivacional,
não entendi, então ele disse
que é curtir para o outro sentir-se bem.
mas perguntei "você curte mesmo sem curtir?"
e ele me respondeu "eu nem vejo, é automático"
constatei que essa é uma outra forma
da doença se manifestar, nem todos que curtem
leem ou acham linda e relevante a publicação,
aí o pobre coitado que postou se sente especial

é difícil, mas ninguém é tudo isso.
ninguém é tão feliz, ninguém é tão benfeitor
ninguém é tão bonito quando acorda
e se viaja muito, há um mal nisso.
se escreve sobre problemas sociais
quer ser reconhecido e se publica tristeza:
é xingado, pois é prejudicial falar a verdade!
todos querem viver na mentira porque ela
é agradável e escraviza lentamente, não dói.

parte do meu tratamento foi estar presente
pensar se o que publico afeta alguém
publicar menos, LER, cronometrar tempo
seguir quem me importa e se não me importa
que me ensine, porque aprender me interessa
tomar remédio para não ser hospedeiro
identificar quem está moribundo e ajudar.
aqueles que negarem ajuda, me levarão a crer
de que a doença das redes sociais é mutável
e as pesquisas sobre o assunto estão sempre
um passo atrás, portanto protejam-se nos abraços,
leiam livros e não deixem o parasita da fama
se instalar em seus cérebros, talvez não haja cura.





observar

Adulta, preciso cozinhar. Cozinhar "junto" me desperta questões, uma delas é: como aprendi a cozinhar? C. me pergunta qual a medida de água que deve colocar na panela para que o macarrão fique "ao dente", mas eu não sei dizer, só sei colocar, deixar ferver e com o garfo furar o macarrão e perceber seu ponto de cozimento.
Depois C. me pergunta como se corta uma abóbora? Penso: "que pergunta é essa? É só cortar". Ele a corta com sementes, então eu retiro as sementes e ele corta ou se corta. De novo, aquela pergunta: como aprendi a cozinhar? Ninguém me disse a medida dos ingredientes, nem que era necessário retirar as sementes - talvez nem seja necessário, dependendo, a semente lá deixa até mais saboroso o alimento - ou que a comida sem sal, mas com outros temperos fica tão saborosa quanto.
Perguntei a C., como você aprendeu a cozinhar carne? Li receitas no começo, agora eu crio.
Então pensei "eu não crio, faço igual sempre, por que faço assim?", só sigo receitas quando faço torta de limão, cheesecake, etc, o que não é típico do dia a dia.
Mais uma pergunta ao C., sua mãe te incentivava a cozinhar? Não. Sabe, minha avó também não me incentivava, mas eu sei, estranho é que eu não me punha a observar minha avó na cozinha, eu apenas estava lá. Não pensava "vou observar minha avó cozinhar para aprender", não pensava mesmo, mas acho que aprendi, assim, observando inconscientemente e convivendo.
Quando decidimos nos casar, C. e eu, minha avó quis me ensinar a cozinhar, mas, por outro lado, ela queria que eu fizesse tudo igual a ela e eu perdi a paciência, eu observei e criei a partir do que observei e às vezes acho minha comida melhor do que a dela. Não sei dizer porque acho isso tão bonito.
Gosto muito de experimentar comidas diferentes ou os mesmos pratos preparados por pessoas diferentes, como pode arroz, feijão, macarrão, bife, etc. ter tantos sabores? Por que depois que "sei" não continuo observando?

escritor

faz parte do ofício
a solidão,
a melancolia alheia
resta-nos o vazio