24 de fevereiro de 2019

Na Irlanda é "sorry"

Desde criança ouvimos dizer que há "palavrinhas mágicas", como "por favor", "obrigada", "com licença" e "desculpa". Com o passar do tempo as palavras perdem a magia e não nos preocupamos mais com seu significado, o uso cotidiano nos faz perder a noção do poder das palavras ou do poder que as palavras têm de acordo com quem as fala.
Em uma aula de inglês, aprendemos que "desculpa" é "sorry" e "com licença" é "excuse me", na Irlanda: não.
Se alguém esbarrar em você, dirá "sorry"; se você estiver na frente de alguém ele dirá "sorry"; se ele precisar de algo e você puder ajudá-lo, ele dirá "sorry". Como professor de língua, leva tempo até você entender a linguagem em funcionamento, fiquei pensando qual seria a palavra que os irlandeses realmente usam quando querem de desculpar, quando estão arrependidos. Diferente de nós, falantes do português brasileiro que usamos perdão com uma conotação mais forte que "desculpa", eles o usam quando não entendem o que foi dito.
Ao mesmo tempo, os brasileiros têm vivido situações que realmente necessitam de pedido sincero de desculpas, mas se não há arrependimento, não há porque pedir. Na Irlanda me perguntaram por que há tantos brasileiros lá e por que elegeram Bolsonaro, se ele tem um discurso tão violento? Eu não sabia como responder a segunda pergunta, mas tentei responder à primeira. A Irlanda fala inglês. Um dos principais fatores que contribuem para o crescimento econômico da Irlanda é a língua. Isso me encantou. Como toda língua há regras e há quem não fale seguindo as regras, porque a língua é viva. Os brasileiros que vão à Irlanda, evidentemente não são pobres ou tão necessitados quanto os bolivianos que recebemos, são contextos diferentes, ir para Europa custa caro. Mas a Irlanda tem políticas de imigração um pouco mais flexíveis, um custo de vida um pouco menos que os demais países de língua inglesa, um povo que não chega a ser caloroso, porém é receptivo; enfim, a Irlanda é a sétima economia do mundo, as principais empresas estão levando duas sedes para Dublin, tanto pela infra-estrutura, quanto pelos baixos impostos e juros. Arrisquei dizer que esses são alguns motivos pelos quais há tantos brasileiros lá, é preferível dizer o que há de melhor no outro. Temi dizer que há muito tempo falta, por parte dos representantes políticos brasileiros, um verdadeiro pedido de desculpas. Temi dizer que os brasileiros que têm uma renda maior estão saindo do país porque está tudo um caos. Por mais estereotipado, preferi deixar os irlandeses com a imagem da Amazônia, do Rio, da feijoada e do Carnaval, pois são belas imagens.
O mais curioso nessas perguntas que me fizeram é que eles, tão distantes de nós, perceberam a violência no discurso de Bolsonaro. Talvez, para os irlandeses, a palavra "sorry" não seja tão superficial quanto parecia, pode ser que eles usem "sorry" porque não querem que aquilo se repita. Eles percebem a violência nas palavras, enquanto alguns brasileiros as reproduzem muitas vezes sem pensar sobre elas.
"Sorry" por matar negros indiscriminadamente.
"Sorry" por roubar dos pobres e favorecer ricos.
"Sorry" por não oferecer moradia, saneamento básico, educação e saúde para quem precisa.
"Sorry" por matar tantos LGBT+  e dizer que é cristão.
"Sorry" por não cuidar da nossa natureza.
"Sorry" pela corrupção polícia que contribui para que tantos jovens morram de overdose.
"Sorry" por conduzir um país cheio de gente do bem e tão belo, considerando os próprios interesses.
"Sorry" é o que os políticos brasileiros deveriam dizer ao povo. Como isso não acontece, é comum o brasileiro ir e não querer voltar.

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