Ao chegar a Veneza, em julho de 2022,
os raios solares incidem sobre as águas
do mar adriático
e o idílio da cidade captura o espírito.
Muitas línguas, muitos turistas
que, assim como eu, recebem o convite
das vielas labirínticas para se perderem
em outra temporalidade;
uma travessia por 1600 anos de história,
180 canais ou ruas d'água, 400 pontes
que expressam em suas ruínas
a coragem e a sabedoria dos italianos.
O cheiro da deterioração das algas da laguna
em contato com a atmosfera não fede,
por isso há avós, pais, filhos gondoleiros
remando sobre o bosque pantanoso.
Quando li em 2019 que as águas em Veneza
subiram quase dois metros,
senti que o homem pode
criar e destruir tudo que é belo.
Quando li em 2020 que, devido à pandemia,
os peixes voltaram aos canais de Veneza
senti o mesmo.
A primeira vez que li algo sobre a cidade
foi 'O mercador de Veneza', de Shakespeare
depois 'Morte em Veneza', de Thomas Mann,
nenhum dos dois italianos, mas
ambos me levaram a Dante Alighieri, Maquiavel, Boccaccio, Petrarca (saudades
das aulas de latim com a Bianca)
Pirandello, Italo Calvino, Umberto Eco, Ungaretti, Cesare Pavese, Primo Levi, Pasolini,
Croce, Gramsci, Agamben, Silvia Federici
depois assisti filmes do Fellini e do Bertolucci,
e, finalmente, minha paixão recente está
em Ferrante e Natália Ginzburg.
Essas pessoas fazem eu me estranhar
pra me sentir menos estrangeira no mundo,
é por isso que eu ouço italiano com alegria
e o falo com alegria dobrada;
ao observar as crianças sinto que quase posso compreender o que as torna italianas.
Fico encantada com barcos na 'garagem'
outra lógica de vida;
me emociona passar pela rua do partido comunista, lembrar da resistência antifascista
e ver a vida pulsando quando o vento
toca as roupas penduradas no varal.
Quero usar as máscaras carnavalescas
e experimentar a igualdade de classes.
Veneza, talvez em Roma eu fosse
muito nova para dimensionar tudo
que meus olhos podiam ver,
mas no presente eu estava pronta
pra você, no auge da minha maturidade
e equilíbrio, esse mesmo que
te mantém em pé, te sustenta.
Jamais você sucumbirá às águas,
porque elas não podem apagar
o que é inesquecível, teu idílio.