27 de novembro de 2019

o poema me levará no tempo,
quando eu já não for eu,
disse sophia.
eu escrevo de presente
na expectativa de que a precisão
das palavras
torne o abstrato concreto,
embora isso nunca aconteça.
o poema fará de mim outro,
como ler um texto borrado
pela água da chuva.

22 de novembro de 2019

eu queria entender
porque sua opinião 
me importa tanto.
embora eu saiba 
que as ondas do mar
vem e vão,
que você é uma 
passagem
e o fim não tem término.

12 de novembro de 2019

confissão

todos temos medo, uns mais, outros menos.
dentre os meus, confesso ter medo de me expor e de não ser lembrada.
estou no processo de entender que não é possível ser tudo, somente inteira.
há poucos dias sofri profundamente pensando que sou apenas útil, mas não querida. 
todo dia eu penso que ser humano não tem valor monetário, mas o mundo em que vivemos insiste em nos coisificar, portanto tenho serventia, mas não gero afeto. olha que loucura! 
quanta dificuldade em ver beleza em mim, mesmo ciente de que ela vem de dentro para fora, e crer que as pessoas me amam exatamente como sou. 
quanta cobrança em ser mais engraçada porque ninguém suporta estar perto de quem só fala sobre assuntos sérios.
quanta dificuldade em me aceitar, não me comparar, me olhar no espelho e sorrir.
está complicado administrar o tempo. cuidar dos outros, sobretudo de mim.
não escrevo para aliviar ou para que alguém diga "mari, você é linda e querida!"
escrevo para me curar, para, quem sabe, gerar identificação com quem sente o mesmo.
insisto em me fazer perguntas que nunca terão resposta, como fazer a diferença na vida de alguém.
vez ou outra imagino como seria o mundo sem mim e como quem convive comigo se sentiria.
tenho a impressão de que sou quase mítica, quando o que eu quero ser é humana.
quando eu for mais generosa comigo já não haverá expectativas a serem satisfeitas.
a vida vai ficar mais bonita e as relações mais verdadeiras.

4 de novembro de 2019

É sério?

o que me faz levar uma pessoa a sério: gostar de chocolate; ouvir pagode alto para zoar com os amigos; dançar forró e ser um dos últimos a sair da pista; ter strogonoff como prato favorito; falar, falar, falar; chorar assistindo a uma peça, seja de tristeza ou alegria; se interessar por política; rir à toa; ser leve, embora a vida seja dura; ler poesia e sentir que isso muda o mundo; escutar ativamente; ter segredos e ser verdadeiro ao mesmo tempo; ter a criatividade como um princípio; tornar o outro visível; agregar; assumir seus erros; tocar algum instrumento; se preocupar com a sociedade, a cultura, o território; ter um vício que não prejudique ninguém; meditar; procurar fazer o bem; querer conhecer todo canto e toda gente; admirar uma língua ou sotaque diferente; experimentar o novo; não ter tanto medo; ser responsável sem ser chato; ser alguém que aprecie a humanidade e encontre sua beleza. por enquanto é só.
basta uma gota para Paris se afogar
a água do mar bate, bate, bate
nas pedras brancas.
há casas submersas
será que Atlândida existiu?
nós vamos destruir Paris
nós vamos destruir tudo
não, nós não vamos destruir Paris
Paris é tão bonita na minha memória
embora nunca tenha ido lá.
isso ninguém destrói
só o mar quando eu me afogar.
eu vejo dois casais,
um prestes a casar
outro se conhecendo
Paris atravessa suas histórias,
como ir para lá e não lembrar
um do outro, deles?
finalmente desembarquei
chove
basta uma gota para Paris se afogar.

3 de novembro de 2019

carta ao rafael

não, essa não é uma carta ao rafael
eu não vejo o rafael há anos.
em 2005 eu escrevi uma carta ao rafael
o rafael era meu amigo
ele tinha segredos
e tudo bem
mas tem segredo que não pode ser segredo
entre amigos
se não deixa de ser amigo.
por causa do rafael
eu aprendi a jogar cs
as meninas tinham ciúmes de mim.
tenho boas lembranças dele.
pensava como seria o dia
em que o reencontraria
há anos sem contato sem notícia
enfim chegou o dia
não o reconheci.
mas ele me viu, me chamou pelo nome
e tirou da carteira um papel roxo.
o dia em que escrevi sobre ele,
sobre nossa amizade,
não imaginava que aquele papel
do meu caderno favorito
resistiria tanto tempo e mais
que as palavras ali escritas permaneceriam.
rafael era ótimo em química e física
eu, em literatura, história e filosofia
um dia analisamos uns poemas.
- você ainda tem essa carta, eu disse
- eu entendi o poema
que seja eterno enquanto dure.
nos despedimos.