25 de fevereiro de 2019

cristãos: parem de matar pessoas

antes de começar, quero dizer que isso é um testemunho.

Quem me conhece sabe que, quando meus pais se divorciaram eu tinha seis anos, meus avós ficaram responsáveis pela minha educação. Minha avó e eu somos bem diferentes, consequentemente eu sempre fui mais próxima do meu avô.
Em 2015, ele faleceu durante uma cirurgia cardíaca. O meu avô foi o ser humano, mais humano que eu já conheci. Evidentemente ele tinha defeitos, se fosse perfeito não teria vivido aqui durante 65 anos - que para mim foi tão pouco.
Sabe aquela pessoa que, mesmo sem ser dia de ação de graças, ao ver uma pessoa desconhecida com fome dá te comer? Aquela pessoa que se abnega até que todos possam estar bem e então passa a pensar em si? Meu avô era essa pessoa.
Na juventude ele foi alfaiate, mas depois de um certo tempo essa profissão se extinguiu e, então, ele tornou-se barista. Eu só tenho memórias do meu avô trabalhando no bar dele. Quando minha começou a frequentar a igreja evangélica, todos queriam que o meu avô fosse à igreja, mas ele só ia quando algum neto se apresentava em cantatas ou no dia dos pais. Um dia eu perguntei a ele por que ele não frequentava a comunidade e ele me respondeu: Eu tenho um bar, essa é minha fonte de renda, eu sei que é digno, mas as pessoas me julgariam porque vender bebida não é certo.
Evidentemente eu não creio que "ir à igreja" faria diferença no caráter do meu avô. Eu costumava ouvir que "igreja é como um hospital, só tem gente com problema ou doente", se esse pensamento estiver correto, realmente meu avô não precisava de igreja. Triste é uma pessoa querer frequentar um espaço, mas não fazê-lo porque sabe dos julgamentos, e mais triste ainda é isso acontecer em um ambiente tristão, cujo discurso não condiz com a prática.
Enquanto eu estive na Irlanda, em uma das aulas, um professor disse "Fuck Jesus" e aquilo me despertou muitas questões. Dentre elas "Por que ele está dizendo isso? E se na sala há cristãos? Etc" Não vou me ater à história do meu professor e do quão incrível é a pessoa dele a ponto de não me ofender com sua frase. Apenas citei esse exemplo para dizer que a reação dele é normal se observarmos o contexto irlandês, a igreja católica e protestante rivaliza há mais de quatro séculos e mata gente. Mata muita gente. A divisão territorial é clara: Irlanda do Norte - protestante;  República da Irlanda - Católica. Já, aqui, no Brasil há divisão territorial, com a diferença é que a linha é imaginária.
Pois bem, na véspera da cirurgia do meu avô, uma tia-avó foi nos visitar e disse a ele "Júlio, você sabe que sua cirurgia tem risco, você precisa aceitar Jesus, do contrário, se você morrer vai para o inferno". Ouvir aquilo me dilacerou. Que deus é esse? E essa mania que cristãos têm de julgar, como quem sabe o destino da alma de cada um. Eu quis dar uma resposta bem atravessada, mas meu avô apenas disse "Obrigada pelo conselho", então ela foi embora. Eu não entendi nada, mas ele me disse que na verdade ela não tinha entendido nada.
Minha questão é que não é só ela quem não entendeu nada. A principal mensagem do evangelho é o amor, mas os cristãos projetam nessa mensagem o pior de si. Quantas meninas na igreja engravidam antes de casar-se e não recebem nenhum amparo? Quantas mulheres apanham de seus maridos, às vezes casaram-se porque "fornicaram", e têm que permanecer sofrendo porque um dia Deus vai mudar? Quantas jovens não podem ir à igreja de calça, vão de saia e são recriminadas pelo "curto", enquanto o homem passa tranquilamente como se não tivesse responsabilidade sobre isso? Quantas pessoas passam fome, mas têm que estar com roupas impecáveis para ser "aceito"? E se for morador em situação de rua, definitivamente não haverá espaço para essa pessoa na igreja. Eu poderia elencar inúmeras perguntas que denunciam a hipocrisia dos cristãos.
Minha sorte na vida é encontrar pessoas como meu avô e conhecer de pertinho quem é Jesus.

24 de fevereiro de 2019

Na Irlanda é "sorry"

Desde criança ouvimos dizer que há "palavrinhas mágicas", como "por favor", "obrigada", "com licença" e "desculpa". Com o passar do tempo as palavras perdem a magia e não nos preocupamos mais com seu significado, o uso cotidiano nos faz perder a noção do poder das palavras ou do poder que as palavras têm de acordo com quem as fala.
Em uma aula de inglês, aprendemos que "desculpa" é "sorry" e "com licença" é "excuse me", na Irlanda: não.
Se alguém esbarrar em você, dirá "sorry"; se você estiver na frente de alguém ele dirá "sorry"; se ele precisar de algo e você puder ajudá-lo, ele dirá "sorry". Como professor de língua, leva tempo até você entender a linguagem em funcionamento, fiquei pensando qual seria a palavra que os irlandeses realmente usam quando querem de desculpar, quando estão arrependidos. Diferente de nós, falantes do português brasileiro que usamos perdão com uma conotação mais forte que "desculpa", eles o usam quando não entendem o que foi dito.
Ao mesmo tempo, os brasileiros têm vivido situações que realmente necessitam de pedido sincero de desculpas, mas se não há arrependimento, não há porque pedir. Na Irlanda me perguntaram por que há tantos brasileiros lá e por que elegeram Bolsonaro, se ele tem um discurso tão violento? Eu não sabia como responder a segunda pergunta, mas tentei responder à primeira. A Irlanda fala inglês. Um dos principais fatores que contribuem para o crescimento econômico da Irlanda é a língua. Isso me encantou. Como toda língua há regras e há quem não fale seguindo as regras, porque a língua é viva. Os brasileiros que vão à Irlanda, evidentemente não são pobres ou tão necessitados quanto os bolivianos que recebemos, são contextos diferentes, ir para Europa custa caro. Mas a Irlanda tem políticas de imigração um pouco mais flexíveis, um custo de vida um pouco menos que os demais países de língua inglesa, um povo que não chega a ser caloroso, porém é receptivo; enfim, a Irlanda é a sétima economia do mundo, as principais empresas estão levando duas sedes para Dublin, tanto pela infra-estrutura, quanto pelos baixos impostos e juros. Arrisquei dizer que esses são alguns motivos pelos quais há tantos brasileiros lá, é preferível dizer o que há de melhor no outro. Temi dizer que há muito tempo falta, por parte dos representantes políticos brasileiros, um verdadeiro pedido de desculpas. Temi dizer que os brasileiros que têm uma renda maior estão saindo do país porque está tudo um caos. Por mais estereotipado, preferi deixar os irlandeses com a imagem da Amazônia, do Rio, da feijoada e do Carnaval, pois são belas imagens.
O mais curioso nessas perguntas que me fizeram é que eles, tão distantes de nós, perceberam a violência no discurso de Bolsonaro. Talvez, para os irlandeses, a palavra "sorry" não seja tão superficial quanto parecia, pode ser que eles usem "sorry" porque não querem que aquilo se repita. Eles percebem a violência nas palavras, enquanto alguns brasileiros as reproduzem muitas vezes sem pensar sobre elas.
"Sorry" por matar negros indiscriminadamente.
"Sorry" por roubar dos pobres e favorecer ricos.
"Sorry" por não oferecer moradia, saneamento básico, educação e saúde para quem precisa.
"Sorry" por matar tantos LGBT+  e dizer que é cristão.
"Sorry" por não cuidar da nossa natureza.
"Sorry" pela corrupção polícia que contribui para que tantos jovens morram de overdose.
"Sorry" por conduzir um país cheio de gente do bem e tão belo, considerando os próprios interesses.
"Sorry" é o que os políticos brasileiros deveriam dizer ao povo. Como isso não acontece, é comum o brasileiro ir e não querer voltar.