30 de março de 2019

cérebro

traiçoeiro
queria escrever querida,
mas escrevi queria
sem querer.
quanto mais não
mais quero
e porque não
só querela

2 de março de 2019

carnaval

Se você digitar no Google "Carnaval" vai aparecer imagens do Brasil, embora essa festa ocorra em outros lugares, isso não é curioso? A maioria das pessoas sabem que o Carnaval é uma festa "pagã" - pagã aos olhos de quem? - que reúne tradições babilônicas, mesopotâmicas e romanas. A doutrinação da igreja faz com que certos cristãos tornem verdade absoluta a sua interpretação das escrituras, favorecendo uma liderança que lucra com a opressão de pessoas. Nesse sentido, o que há de mais bonito no Carnaval é a inversão de papeis.
Quantos pobres, negros, mulheres, LGBT+, entre outros, sofrem com a desigualdade social no Brasil? Uma resposta possível para o sucesso do Carnaval no país, seja a possibilidade de em alguns dias cada um ser o que quiser ser. Certamente alguém vai dizer: "Mas você está idealizando o Carnava, esquece que das orgias, dos acidentes, do dinheiro que é desviado para o tráfico, etc.?" e a resposta vem sem seguida, mas sempre em forma de pergunta "não, não esqueço, mas o que tudo isso interfere na sua vida? Em que a orgia do outro, o acidente do outro, o desvio do outro te afeta, se quem sofre as consequências é o outro?"
Talvez o tráfico, em uma série que desencadeia diversos outros problemas, seja o que o prejudica a maioria das pessoas, mas ninguém obrigada ninguém a usar drogas, logo o maior problema é a estrutura educacional, não a festa. Acredite, tem gente que tem na droga seu lazer ou sua sobrevivência. Para quem mora na rua, passa fome e frio, a droga - lícita e ilícita - ajuda a suportar a realidade e estender os dias de vida (o pior é que eu já ouvi que é melhor essa gente morrer do que sofrer - oi? Onde está sua humanidade? O melhor não seria oferecer oportunidades de saúde, recuperação e reintegração social? Sabia que em um fluxo você pode encontrar gente até com pós-doutorado que é poliglota? Já se perguntou porque ela foi parar lá?). 
Adolescentes e jovens que vivem na periferia, mas não só eles, às vezes usam droga simplesmente pelo "barato" e pelos amigos. Já calculou como o básico do entretenimento custa caro em São Paulo, por exemplo? Se alguém for ao cinema numa quarta-feira, pela manhã (horário que os adolescentes e jovens normalmente estão na escola) vai pagar $10,00, somando as passagens de transporte público ida e volta $4,60, se comer em um lugar barato, cujo a coxinha custa $2,00 e ganha outra e somar com a bebida, ele ou ela gastará $25,00. Mas tem um detalhe, normalmente esse adolescente ou jovem mora com mais uns três irmão no mínimo e a mãe trabalha como empregada doméstica. A família mora em uma residência de aluguel e o pai ninguém sabe onde está.
Quando esse adolescente ou jovem me diz que usa droga, eu não consigo criticar, por mais que eu saiba que na maioria dos casos não é saudável. Quando ele vai ao bloquinho de carnaval e ocupa a cidade, gratuitamente, ouvindo música e dançando com os amigos, eu não consigo criticar. Sim, há outras formas de se divertir, mas não para eles. Esse mundo é cruel, por isso a inversão de papéis me encanta.
Evidentemente, quando homens se vestem como mulheres no Carnaval, eles não são tratados como normalmente as mulheres são tratadas. Ainda não ouvi nenhuma história de homens fantasiados como mulheres dizendo que foram assediados, ou que passaram a mão nas partes íntimas deles, ou que veio um grupo de mulheres e os cercaram para violentá-los, ou que mulheres os doparam e eles acordaram em lugares desconhecidos. Que bom que eu nunca ouvi histórias assim, mas o contrário eu ouço todo dia. A inversão de papeis não é completa e intrínseca, leva tempo para apreender. É aos poucos. Primeiro as pessoas ocupam o território, depois elas aprendem que "não é não", que é bom deixar a rua limpa e que um dia os papeis nem vão mais precisar se inverter porque vamos ter aprendido COMO CONVIVER COM AS DIFERENÇAS.
Ontem os alunos que estudam onde trabalho fizeram um bloquinho de Carnaval. Estava tudo invertido. Uma pessoa disse "está todo mundo saindo do armário hoje", que bom que tem um dia para sair do armário até que ninguém mais tenha que viver lá, seja qual for a questão. Ao retornar para casa com glitter no rosto, eu encontrei uma adolescente com glitter no rosto também, nos olhamos, sorrimos, nos reconhecemos mesmo sem nos conhecer e foi bonito porque estávamos juntas e livres.