27 de maio de 2018

fama

as pessoas estão doentes
tenho medo de ficar doente.
há um tempo eu estava com todos os sintomas:
ler pouco
perder tempo
ver quem segue quem
verificar quem curtiu o que publiquei
falar muito na 1ª pessoa do singular
declarar amor em todos os comentários e
seguir famosos!

ao dar-me conta disso
comecei o tratamento,
poderia ficar pior,
se chegasse ao ponto de curtir o que não curto,
ter um ponto de vista sobre tudo e achar que é certo
se entristecer ao perder seguidor
viver da vida alheia
ou fingir ser quem não sou
era caso de internação!
o tratamento foi semi-intensivo:
cortei uma rede - a fonte transmissora.

uma vez c. me disse que existe
a curtida motivacional,
não entendi, então ele disse
que é curtir para o outro sentir-se bem.
mas perguntei "você curte mesmo sem curtir?"
e ele me respondeu "eu nem vejo, é automático"
constatei que essa é uma outra forma
da doença se manifestar, nem todos que curtem
leem ou acham linda e relevante a publicação,
aí o pobre coitado que postou se sente especial

é difícil, mas ninguém é tudo isso.
ninguém é tão feliz, ninguém é tão benfeitor
ninguém é tão bonito quando acorda
e se viaja muito, há um mal nisso.
se escreve sobre problemas sociais
quer ser reconhecido e se publica tristeza:
é xingado, pois é prejudicial falar a verdade!
todos querem viver na mentira porque ela
é agradável e escraviza lentamente, não dói.

parte do meu tratamento foi estar presente
pensar se o que publico afeta alguém
publicar menos, LER, cronometrar tempo
seguir quem me importa e se não me importa
que me ensine, porque aprender me interessa
tomar remédio para não ser hospedeiro
identificar quem está moribundo e ajudar.
aqueles que negarem ajuda, me levarão a crer
de que a doença das redes sociais é mutável
e as pesquisas sobre o assunto estão sempre
um passo atrás, portanto protejam-se nos abraços,
leiam livros e não deixem o parasita da fama
se instalar em seus cérebros, talvez não haja cura.





observar

Adulta, preciso cozinhar. Cozinhar "junto" me desperta questões, uma delas é: como aprendi a cozinhar? C. me pergunta qual a medida de água que deve colocar na panela para que o macarrão fique "ao dente", mas eu não sei dizer, só sei colocar, deixar ferver e com o garfo furar o macarrão e perceber seu ponto de cozimento.
Depois C. me pergunta como se corta uma abóbora? Penso: "que pergunta é essa? É só cortar". Ele a corta com sementes, então eu retiro as sementes e ele corta ou se corta. De novo, aquela pergunta: como aprendi a cozinhar? Ninguém me disse a medida dos ingredientes, nem que era necessário retirar as sementes - talvez nem seja necessário, dependendo, a semente lá deixa até mais saboroso o alimento - ou que a comida sem sal, mas com outros temperos fica tão saborosa quanto.
Perguntei a C., como você aprendeu a cozinhar carne? Li receitas no começo, agora eu crio.
Então pensei "eu não crio, faço igual sempre, por que faço assim?", só sigo receitas quando faço torta de limão, cheesecake, etc, o que não é típico do dia a dia.
Mais uma pergunta ao C., sua mãe te incentivava a cozinhar? Não. Sabe, minha avó também não me incentivava, mas eu sei, estranho é que eu não me punha a observar minha avó na cozinha, eu apenas estava lá. Não pensava "vou observar minha avó cozinhar para aprender", não pensava mesmo, mas acho que aprendi, assim, observando inconscientemente e convivendo.
Quando decidimos nos casar, C. e eu, minha avó quis me ensinar a cozinhar, mas, por outro lado, ela queria que eu fizesse tudo igual a ela e eu perdi a paciência, eu observei e criei a partir do que observei e às vezes acho minha comida melhor do que a dela. Não sei dizer porque acho isso tão bonito.
Gosto muito de experimentar comidas diferentes ou os mesmos pratos preparados por pessoas diferentes, como pode arroz, feijão, macarrão, bife, etc. ter tantos sabores? Por que depois que "sei" não continuo observando?

escritor

faz parte do ofício
a solidão,
a melancolia alheia
resta-nos o vazio