6 de maio de 2020

1. fronteiras

em 19 de janeiro de 2020 Cléber e eu saímos de Berlim à Praga e, como de costume, eu perguntei "o que aconteceu de importante no mundo hoje?" e ele respondeu que um vírus se alastrava na China.  nós entendemos que aquilo que recebemos em valor monetário é fruto do nosso trabalho e nos ajuda a para pagar as contas, servir pessoas, jamais acumular e descansar. nessa viagem podemos conhecer também Munique, Barcelona e Paris, nos 20 dias que passamos na Europa ninguém parecia assustado com a notícia do vírus, mas ao retornar de Paris para São Paulo, mais da metade dos passageiros usavam máscaras e talvez aquele tenha sido o primeiro sinal aparente do que estava acontecendo. a China já não parecia tão distante. em seguida, eu fiquei doente e quando descrevi meus sintomas citando que estava fora, fui isolada e fiz uma série de exames que constataram que eu tinha uma virose, mas não era covid-19.
todas as nossas viagens são surpreendentes, mas essa foi muito especial, sobretudo ao pensar que hoje muitas fronteiras estão fechadas e ninguém tem certeza de quando tudo voltará ao normal. e se o normal for como antes, espero que não volte. digo isso porque o vírus não tem fronteiras e ele chegou à Terra muito antes de nós, quando tudo era a pangeia, o vírus mostrou que seja território ou socialmente as fronteiras estão na nossa imaginação, o que existe é apenas o humano e é ele quem morre. enquanto insistirmos em demarcar limites que nos separam a xenofobia, o racismo, o classismo, vai continuar matando mais, mesmo depois que o humano criar uma vacina que erradique o vírus. está tudo interligado.

2. luto e melancolia

sabe aquele dia que o coração aperta e você sente muita vontade de chorar, mas não sabe nomear o porquê? "luto e melancolia" é o título de um texto escrito por Freud, em 1917. nele, o autor apresenta as semelhanças entre os dois estados da psique humana: o desânimo profundo, a cessação de interesse pelo mundo e a inibição de atividades; mas a origem de ambas se distingue, o luto implica a morte do ser amado e a melancolia provém de uma baixa auto-estima e da auto-recriminação. há pessoas que, como eu, são mais propensas a sentir a dor do outro de modo exacerbado (eu gosto de ser assim, significa que ainda há sensibilidade em mim). a morte é tão incontrolável, sobretudo àqueles que ficam e têm de lidar com a ausência, que rituais de passagem são fundamentais para nossa sobrevivência. os vikings colocam os corpos no mar em barcos flamejantes, os budistas cremam, os egípcios mumificam, os mexicanos fazem festa, nós velamos, enterramos na terra e silenciamos. as palavras não podem domesticar a morte e é por isso que hoje eu chorei, porque "e daí" é a desumanização, é o ego absoluto. nas minhas relações ninguém morreu, mas já morreram mais de 5000 e quando um morre, morre uma descendência. muitas famílias sofrem suas perdas, sem a despedida e enquanto a terra clama por justiça, nós cuidamos uns dos outros, de todos, e reaprendemos a cuidar dela também.

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